11 de fev. de 2007

Paz como equilíbrio do movimento


O terrorismo que atingiu os ícones do sistema imperante no mundo e nos EUA provocou, ao lado da indignação, uma busca insaciável por paz. Entre muitas definições, privilegiamos uma, por ser extremamente sugestiva: a paz como equilíbrio do movimento.


Tudo é movimento. A fecundidade dessa definição reside no fato de que se ajusta à lógica do universo e de todos os processos orgânicos. Tudo no universo é movimento, nada é estático e feito de uma vez por todas. Viemos de uma primeira grande instabilidade e de um incomensurável caos. Tudo explodiu.


Começou o movimento, que ainda não terminou. Ao expandir-se, o universo vai pondo ordem no caos. Por isso esse caos é criativo e generativo. A ordem surge pelo jogo de relações que todas as coisas têm. Tudo tem a ver com tudo, em todos os momentos e em todas as circunstâncias. Essa afirmação constitui a tese básica da cosmologia contemporânea, da física quântica e da biologia genética e molecular.


Por causa das relações de tudo com tudo, o universo não deve mais ser entendido como o conjunto de todos os seres existentes e por existir, mas como o jogo total, articulado e dinâmico de todas as relações que sustentam os seres, mantendo-os unidos e interdependentes. A vida, as sociedades humanas e as biografias das pessoas se caracterizam pelo movimento. A vida nasceu do movimento da matéria que se organizou; a matéria nunca é "material", mas um jogo altamente interativo de energias e de dinamismos que permitem que surjam os mais diferentes seres.


Não sem razão, asseveram eminentes biólogos que, quando a matéria alcança determinado nível de auto-organização, em qualquer parte do universo, emerge a vida como imperativo cósmico, fruto do movimento de relações de todo o cosmos. As coisas se mantêm em movimento, por isso evoluem; elas ainda não acabaram de nascer. Estão em processo de gênese: cosmogênese, biogênese, antropogênese, budogênese e cristogênese. O ser humano passa por sucessivos processos de transformação, mediante os quais constrói sua identidade e plasma seu destino.


Tudo busca seu equilíbrio. Mas o caos jamais teria chegado a cosmos e a desordem primordial jamais teria se transformado em ordem aberta se não houvesse o equilíbrio. Este é tão importante quanto o movimento. Movimento desordenado é destrutivo e produtor de entropia. Movimento com equilíbrio produz sintropia e faz emergir o universo como cosmos, vale dizer, como integridade, ordem e beleza.


Que significa equilíbrio? Equilíbrio é a justa medida entre o mais e o menos. É o ótimo relativo. Possui equilíbrio o movimento que se realiza dentro da justa medida e não é excessivo ou insuficiente. A paz é esse ponto de equilíbrio sutil e sempre em construção.


Se assim é, importa, então, sabermos o que significa a justa medida, sustentáculo da paz. A justa medida é a capacidade de usar potencialidades naturais, sociais e pessoais de tal forma que elas possam durar o mais possível e possam, sem perda, se reproduzir. Esse propósito é alcançado quando se estabelece moderação e equilíbrio. A justa medida pressupõe realismo, quer dizer, aceitação humilde dos limites e aproveitamento inteligente das possibilidades e oportunidades. Esse equilíbrio garante a sustentabilidade de todos os fenômenos e dos processos, da Terra, das sociedades e da vida das pessoas.


O universo surgiu por causa de um equilíbrio sutil. Após a grande explosão originária, se a força de expansão fosse fraca demais, o universo colapsaria sobre si mesmo. Se fosse forte demais, a matéria cósmica não conseguiria adensar-se e formar galáxias, estrelas, sistemas planetários e seres singulares. Se não tivesse funcionado esse refinadíssimo equilíbrio, nós não estaríamos aqui.Há paz no universo e as estrelas não caem sobre nossas cabeças porque há equilíbrio do movimento.


Como alcançar o equilíbrio do movimento? Eis uma questão extremamente complexa. A própria natureza do equilíbrio demanda uma arte combinatória de muitos fatores e de muitas dimensões, buscando a justa medida entre todas elas. Pretender derivar o equilíbrio de uma única instância é situar-se numa posição de desequilíbrio.


Por isso não basta a razão crítica, não é suficiente a razão simbólica, presente nas religiões e nas artes, nem a razão emocional, subjacente ao mundo dos valores, nem o recurso da tradição, do bom senso e da sabedoria dos povos.


Todas essas instâncias são importantes, mas nenhuma delas é suficiente por si só para garantir o equilíbrio. Este exige articulação de todas as dimensões e de todas as forças. O equilíbrio evoca a sabedoria, que é exatamente o saber da medida justa, da ponderação dos prós e dos contras, saber que tem sabor porque colhe o melhor de cada coisa e de cada situação, numa atitude equidistante da carência e da abundância. A sabedoria representa a habilidade de somar positivamente todos os fatores que favorecem a vida e sua expansão.


A partir dessas idéias, temos condições de apreciar a excelência da compreensão da paz como equilíbrio do movimento. Se houvesse somente movimento sem equilíbrio, movimento desordenado, em qualquer direção, imperaria o caos e teríamos perdido a paz. Se houvesse apenas equilíbrio sem movimento, reinaria a estagnação e nada evoluiria. Seria a paz dos túmulos. A manutenção sábia dos dois pólos faz emergir a paz dinâmica.


A crise atual: muito movimento, pouco equilíbrio. Consideradas sob a ótica da paz como equilíbrio do movimento, as sociedades atuais são profundamente destruidoras das condições da paz. Vivemos dilacerados por radicalismos, unilateralismos, fundamentalismos e polarizações insensatas em quase todos os campos. Elas ganharam corpo nos aviões-bomba, destruindo os símbolos do poder econômico e do poder militar, ambos altamente desestabilizadores de equilíbrio mundial.


A concorrência na economia e no mercado, feita princípio supremo, esmaga a cooperação necessária para que todos os seres possam viver e continuar a evoluir. O pensamento único neo-liberal destrói a diversidade cultural e espiritual dos povos. A imposição de uma única forma de produção, com a utilização de um único tipo de tecnologia e de um único modelo de administração, maximizando os lucros, encurtando o tempo e minimizando os investimentos, devasta os ecossistemas e coloca sob risco o sistema vivo de Gaia, a Terra.


As relações profundamente desiguais entre ricos e pobres e entre religiões, umas considerando-se mais divinas que as outras, reforçam a arrogância, incrementam ressentimentos e aprofundam conflitos religiosos. Eis a dilaceração da paz, eis as bases do terrorismo.


Todos esses antifenômenos são manifestações da destruição do equilíbrio do movimento e, por isso, da paz. Só fazendo funcionar uma nova aliança entre todos e com a natureza, inspirada na "paz-equilíbrio-do-movimento" como método e meta, conseguiremos sociedades sem barbárie, onde a vida poderá florescer e os seres humanos poderão viver no cuidado de uns para com os outros, irradiando justiça e celebrando a paz perpétua, desde sempre buscada.


Leonardo Boff, teólogo e escritor, é autor de, entre outros livros, "Tempo de Transcendência" e "Princípio de Compaixão e Cuidado".

Nenhum comentário: