10 de fev. de 2007

A demagogia do Pecado


Lamentável a reportagem de Camila Antunes, repórter da Revista Veja, acerca do Padre Júlio Lancelotti, com o título O Pecado da Demagogia no dia 11 de janeiro de 2006, pág. 92. Sinceramente sem nenhum fundamento. Parece mais uma reportagem de desqualificação na época dos velhos regimes ditatoriais que se esforçavam para denegrir a imagem das pessoas que se colocam na defesa da dignidade humana e do amor ao próximo. Mas, vamos aos fatos. O Pe. Júlio Lancelotti é presbítero da Arquidiocese de São Paulo, logo, padre da Igreja Católica. Segundo, ele não é líder de nenhuma organização política como diz a malfadonha reportagem imoral. Chamar a Pastoral do Povo da Rua de organização política ligada ao PT é no mínimo uma falta de responsabilidade para com a verdade. A Pastoral do Povo da Rua pertence a um conjunto de pastorais sociais da Igreja Católica e que existem em todas as dioceses. É evidente que em toda a ação humana existe uma ação política. Assim como ao escrever esta reportagem, Camila Antunes, utilizou-se de uma ação política. Camila Antunes e a Revista Veja poderão se defender por meio da neutralidade científica, já superada, o que não será verdade, pois o que mais existe na reportagem é uma ação política direcionada para desqualificar uma ação humana e eclesial, logo, ação política. Mas, sei que existem políticas de uns e políticas de outros. São políticas e concepções, logo, ações humanas que se diferenciam na sociedade o que não deixa de ser Política.

Acusar o Padre Júlio que se doa todos os dias por uma sociedade mais justa, fraterna e solidária é acusar-nos também enquanto cristãos católicos que defendemos a vida em plenitude. Existe sim política em sua ação humana enquanto homem público e eclesial. Mas não política partidária, pois a Pastoral do Povo da Rua é uma pastoral da Igreja Católica, com um Vicariato próprio ligado a Arquidiocese de São Paulo. Mas, pelo visto, a Srª. Camila Antunes não disse isso, ou não sabe disso, ou ainda não se preocupou em buscar a verdade dos fatos. O engraçado é ainda numa ousadia política, evidentemente de direita e ultra-conservadora, pede para que o Papa Bento XVI fique de olho nas ações do Padre Júlio Lancelotti, mas se esquece que existem Bispos responsáveis na cidade de São Paulo que formam a Arquidiocese e que dão o apoio necessário à Pastoral do Povo da Rua.

O mais curioso é que a mesma repórter se torna também juíza de valores e acusa, como se fizesse parte de uma Santa Inquisição, que Padre Júlio comete o pecado mortal da demagogia. Ser demagogo hoje está em moda para a Revista Veja. Todos os brasileiros são demagogos, menos a elite e as oligarquias rurais. O MST, a Igreja, os partidos, os pobres, os moradores da rua, eu, todos nós, somos demagogos. Mas a Veja não! Nunca fez demagogia. No entanto, acusa um homem que doa sua vida pela causa de Jesus, pela causa do Reino de Deus, um homem que se coloca a serviço da solidariedade e da vida em plenitude para todos de ser um pecador em estado mortal porque faz demagogia. Srª. Camila Antunes venhamos e convenhamos, olhe sua reportagem nefasta e ponha a mão na consciência, se que é ela existe, e tente ver quem de fato está fazendo demagogia.

Muitas mentiras na reportagem desta repórter que provavelmente comprou o diploma em uma dessas faculdades sem nenhuma seriedade. Vamos ser sinceros, pois o que tem de inverdades nesta reportagem chega ao cúmulo do absurdo. Primeiro, é mentira que Pe. Júlio Lancelotti seja líder de alguma organização política ligada ao PT ou a qualquer partido político. *Segundo*, ele não criou nenhuma categoria sociológica denominada "Povo da Rua" (é uma categoria utilizada há muito tempo pelos movimentos sociais que vocês da Veja tanto detestam). Terceiro, é uma mentira que o Padre queira transformar a situação dos moradores de rua em estado permanente. Por que vocês ocultam a verdade? Por que não falam quem realmente quer ver o Povo da Rua bem longe, mais excluídos ainda do que já são? Aposto que sabem quem realmente quer este estado permanente (pois não duvido nada que esta reportagem não tenha sido encomendada pelos verdadeiros interessados). Quarto, é mentira que a Prefeitura de São Paulo se preocupe com os moradores de rua. A atual gestão quer sim fazer uma limpeza dos excluídos da cidade. Portanto, medidas paliativas de nada adiantarão. O Povo da Rua precisa de inclusão social, de dignidade e de vida e não medidas assistencialistas e paliativas oferecidas pelo Estado. A luta do Padre Júlio é por políticas públicas efetivas e afirmativas para o Povo da Rua. Eles não são bichos e nem animais de zoológicos para serem tirados sem nenhuma política pública séria e eficaz. Quinto, acusar o Padre de estar fazendo manobra política e se utilizando de um rebanho para tais manobras é uma acusação gravíssima. A repórter joga a notícia e não prova a notícia. Oxalá, os moradores de rua se revoltassem contra a sociedade. Uma revolta evangélica. E exigissem respeito e direitos sociais que lhe são negados, porque pessoas que a Srª. Camila defende não redistribuem renda e sonegam o Estado. Sexto, não se contentando, a repórter encontra a saída. Abrir as portas da Paróquia São Miguel (onde Pe. Júlio Lancelotti é pároco) para colocar os mendigos, os drogados, os meninos e meninas de rua. Boa proposta! Tirou da onde? De uma manual de sociologia neoliberal? Essa é a solução da repórter e, provavelmente, da Revista que aceitou a publicação de sua reportagem. A política pública se transfere para a Igreja, ou seja, Padre Júlio precisa provar para todos tendo que abrir a Igreja para acolher estes excluídos. Pergunto: Por que então, a Srª. Camila não abre as portas de sua casa para eles? É fácil transferir o problema sem resolve-lo na essência. Com sua proposta ela transfere o problema da exclusão dos moradores de rua para o Padre e para a Igreja. Mas e a política pública? Nisso, a mesma repórter parece não estar preocupada, pois sua intenção é promover um discurso de que aqueles que defendem tais "excrementos" (palavra utilizada pela repórter) é que cuidem deles. Sétimo, ela mente em relação a iniciativa da Prefeitura. A Prefeitura não tem nenhuma política pública em relação aos moradores de ruas. As propostas não passam de superficialidades assistencialistas e sem nenhuma comprovada duração. Querem atacar o problema sem atacar a causa do problema daqueles que estão à margem da sociedade, mesmo assim, a repórter insiste em defender a Prefeitura que deve "desalojar os marginais". Percebam o tom, desalojar aqueles que são marginais, perigosos e excrementos. Mas vejam bem, ela se preocupa com o desalojar, mas não em partilhar, em compreender, em amar os que estão nesta situação. O seu conceito de marginalidade é reacionário e conserva os mais altos preconceitos de um ser humano contra outro ser humano. Oitavo, parece ser a última mentira de uma forma de proposta e desafio ao Padre Júlio. Aqui podemos perceber a qual política a repórter defende. Ela reclama da Pastoral da Rua ser uma organização política, mas se contradiz no final, falando em nome da Prefeitura e de sua gestão, o que nos dá a entender um certo defensionismo político de uns. Ela propõe ao Padre Júlio para ir morar debaixo do viaduto. Portanto, um alerta para todos os que defendem a dignidade, a vida, a solidariedade, o amor aos pobres, o trabalho voluntário. Não podemos mais fazer nada. Pois seremos taxados de políticos do PT e não mais como discípulos do Evangelho e teremos que assumir as responsabilidades do Estado. O interessante é que a repórter não fala para o Prefeito ir morar debaixo dos viadutos, somente para o réu perigoso (Padre Júlio) que está sendo inquirido por sua reportagem.

Antes de fazermos qualquer análise precisamos de comprovação. Esta reportagem foi mais um sinal das falsas verdades que são colocadas em veículos de comunicação sem nenhuma responsabilidade e sem nenhum senso de verdade. Infelizmente, esta repórter ou foi coagida a fazer tal reportagem sem nenhum fundamento, ou então, ela crê realmente no que escreveu e se sente satisfeita com os resultados. Na verdade, a reportagem o pecado da demagogia é a demagogia do pecado dessa própria reportagem. O que dizer: precisamos lamentar, pois são os que colocaram os excluídos nesta situação os verdadeiros donos do poder, entre eles, a Mídia. Mas, tenham a certeza de que a Igreja continuará defendendo os excluídos e propondo políticas públicas ao Estado, mesmo que o Estado, continue comprando matérias para desqualificar a atuação de pessoas e agentes de pastoral que realmente entendem a situação caótica da sociedade brasileira.

Claudemiro Godoy do Nascimento


"O PECADO DA DEMAGOGIA"
O padre Julio Lancelotti líder de uma organização política ligada ao PT chamada Pastoral da Rua (atenção, papa Bento XVI), comete todos os dias um pecado mortal - o da demagogia. Ele é o criador de uma categoria que leva o nome de "Povo da Rua". É a denominação de Lancelotti para mendigos, menores abandonados e loucos que vagam pelas ruas de São Paulo. A pretexto de defender o "Povo da Rua", o padre quer transformar uma situação precária - a dos sem-teto e que tais - em permanente. Toda e qualquer iniciativa para colocar esse pessoal em abrigos, custeados pela prefeitura, limpar os logradouros públicos de barracas e excrementos e livrar os transeuntes do risco de assaltos protagonizados por pivetes é torpedeada por Lancelotti com a classificação de "prática higienista".Os motivos do padre estão longe de ser religiosos. O que ele quer mesmo é ter a sua disposição um rebanho de manobra para fazer política.Se Lancelotti fosse mesmo sensível às necessidades de seu "Povo da Rua", começaria por oferecer abrigo na igreja da qual é pároco: a de São Miguel Arcanjo, no bairro paulistano da Mooca. A igreja, porém, tem grades nas portas e cerca elétrica nos muros - um aparato suficiente para definir aquela casa de Deus como um "bunker antimendigo". "Antimendigo é a expressão usada por ele - e por jornalistas amigos seus - para classificar pejorativamente a iniciativa da prefeitura de São Paulo de colocar rampas de superfície áspera sob o viaduto que leva à Avenida Paulista. A administração municipal recorreu a esse expediente para desalojar os marginais que instalados no local, assaltavam as pessoas que transitam por ali. Lancelotti continua a esbravejar que "as rampas antimendigo" fazem parte de uma "visão higienista". Pois bem, propõe-se aqui um acordo: a prefeitura retira as rampas e o padre abandona o seu bunker e passa a morar debaixo do viaduto. Lá, poderá controlar os assaltantes e encontrar a santa felicidade junto ao "Povo da Rua".
Fonte: Veja, 11 de janeiro de 2006, página 92
Repórter: Camila Antunes
Referente matéria: O pecado da demagogia

9 de fev. de 2007

A história de como fui dormir petista e acordei sem partido


No dia do depoimento do ex-ministro da casa civil José Dirceu à Comissão de Ética da Câmara fui dormir certo de que o discurso da esquerda petista ainda fazia algum sentido para mim. Afinal, aquele ser calmo, equilibrado e generoso, disposto a colocar sua honra acima de tudo, não poderia ser o malicioso Rasputin do governo Lula. Ele que havia começado seu depoimento dizendo que não usaria do estratagema eleitoral de renunciar ao seu mandato de deputado federal para salvar sua elegibilidade futura, pois, se o assim fizesse, não conseguiria mais olhar fundo nos olhos da militância petista e dos membros das famílias de seus companheiros e companheiras que caíram combatendo a ditadura militar. Há coisa mais bela e digna do que o auto-sacríficio?

Diante de nós, nas telas de televisão, estava um homem corajoso, disposto a enfrentar as feras e lutar até o fim. Aos meus olhos, Dirceu parecia naquele momento a própria encarnação do herói revolucionário, disposto a morrer por uma causa nobre nas trincheiras da luta social. O seu discurso de defesa foi pontuado por referências heróicas, por exemplo, de que enfrentaria a luta política sozinho, e referências autobiográficas. Lembrou o seu passado de exilado em Cuba, de clandestino em Cruzeiro do Oeste, tudo para, aparentemente, mostrar que durante todo o período em que lutou com seus companheiros contra a ditadura militar, em momento algum teria infringido a ordem pública comum (sic). Como clandestino na cidade de Cruzeiro do Oeste nunca foi acusado de nenhum crime, não fez nenhum inimigo na pacata cidade do interior do Paraná. Como dirigente partidário, jamais aceitou cargo público sem concurso, ao contrário, prestou concurso de datilografia para ser funcionário público de São Paulo. Dá para não se comover diante desse discurso? Todo esse preâmbulo autobiográfico imolante servia para sustentar a tese de que ele, enquanto foi ministro do governo Lula, nada sabia do que se passava no seu partido. Não havia sido informado nem pelo tesoureiro de seu partido, nem pelo presidente de seu partido, seja da armação dos empréstimos do Banco Rural e BMG ao PT, seja da armação do financiamento da campanha dos partidos da base aliada (PP, PL, PTB, PMDB).

Uma vez afirmada sua inocência, restava fundamentar a tese de que os dirigentes do partido tomavam decisões sem lhe consultar. Como fazer isso? Mostrando quanto era diminuta sua importância dentro do partido e no governo. Como ministro do Estado, estava afastado das decisões partidárias e, como ministro da casa civil, limitava-se a cumprir as funções de sua pasta, sem nunca ferir hierarquias ou extrapolar suas obrigações.

No dia seguinte...

Acordei no dia seguinte sem mais pensar na crise política. Seguia minhas tarefas cotidianas quando, de repente, sem que menos esperasse por isso um pensamento apoderou-se de mim e a ficha caiu.

Espera lá... Na verdade me comovi com o depoimento do José Dirceu porque ele manipulou meus sentimentos com sua retórica conciliadora e apaziguadora dos ânimos. Uma vez tendo reconhecido isso, fui analisar mais uma vez sua fala e cheguei à conclusão de que ele, na verdade, fez uso do mais sórdido artifício jurídico de defesa. Como o advogado de um assassino tenta convencer seu júri de que o criminoso não é o autor do crime? Mostrando que o acusado era um cidadão pacato, querido pelas velhinhas da vizinhança porque sempre lhes ajudava a carregar as sacolas de compra, que, além disso, estava sempre em dia com suas contas, não contraia dívidas, não bebia, não fumava (apesar de ser pessoalmente um fumante) etc. Como, pergunta o advogado de defesa aos membros do júri, um ser tão inocente e puro poderia ser o autor de um crime tão bárbaro? Essa foi a estratégia de defesa do ex-ministro José Dirceu para convencer a militância petista e os telespectadores de que era inocente e não sabia de nada do que foi tramado pelos dirigentes de seu partido – tese dificílima de se acreditar dado seu perfil psicológico; sujeito centralizador e arrogante, segundo os que conviveram com ele enquanto estava no poder –, fez uso sórdido da sua biografia limpa e honesta como servidor da causa da esquerda brasileira. Para convencer os militantes de que a luta não havia sido em vão, que os erros eram do partido e não do governo, foi subliminarmente construindo a tese de que a esquerda é fundamentalmente boa, e o resto, inclusive Jefferson e Cia., não prestam, mas que a governabilidade na República dependia, infelizmente, da aliança com aqueles sujeitos sórdidos, como Jefferson, que nunca lutaram contra a ditadura.

Para mim, ficou claro a partir desse dia que o PT é um partido fundamentalista e moralista, cujos dirigentes acreditam serem os únicos a defender a causa social, os únicos a terem lutado contra a ditadura, a terem seus membros mortos na luta armada etc., e que, por isso, para eles a velha máxima de que os fins justificam os meios é a única verdade a ser obedecida.

A estrela do PT está sumindo do céu do meu horizonte político. O que colocarei no seu lugar? Ainda não sei. Talvez o SOL comece a despontar no horizonte...


Claudemiro Godoy do Nascimento
Escrito em Outubro de 2005

8 de fev. de 2007

Mística e Revolução


Surge no Brasil um novo movimento de jovens cristãos: o MIRE ­ Mística e Revolução. Lançado em dezembro, no encontro nacional do Movimento Fé e Política, em Santo André, o MIRE já congrega quase 300 militantes de 30 cidades brasileiras, todos com idade entre 16 e 30 anos. Este limite tem a sua razão de ser, pois sem ele haveria o risco de adultos abafarem de cuidados algo que é próprio daqueles que se encontram no período em que tomamos as decisões mais fundamentais na vida.


Movimento nacional sediado em São Paulo, o MIRE organiza-se em núcleos de 12 militantes, entre os quais um monitor. Em julho, Vinhedo (SP) abrigou, em seu mosteiro beneditino, o primeiro treinamento de monitores.


O objetivo do movimento é propiciar uma vida cristã centrada no testemunho de Jesus, a quem os evangelhos denominam O Caminho. Este caminhar é feito com duas pernas: a da oração (mística) e a do compromisso social (revolução). As reuniões de núcleos têm seus momentos fortes no exercício da meditação e na celebração da Palavra de Deus. Os militantes são chamados a assumir, individual e/ou coletivamente, engajamentos que contribuam para reduzir a exclusão da grande maioria da população brasileira, atuando em acampamentos e assentamentos rurais; movimentos sindicais e estudantis; ações de voluntariado no combate às injustiças e no fortalecimento de iniciativas populares. Em julho, militantes do MIRE visitaram assentamentos de sem-terra em Goiás, culminando com um retiro espiritual em Goiás Velho.


ENTUSIASMO


Mística é uma palavra polissêmica. Para o MST, sinônimo de animação em suas reuniões e eventos. Para a tradição religiosa, o entusiasmo (do grego entheos, "estar cheio de Deus") que inunda o coração e a prática de quem faz a experiência de Deus.


Os participantes do MIRE, inspirados pela teologia da libertação, buscam uma vida cristã menos racionalista e mais orante, sem, no entanto, ceder aos modismos litúrgicos que transformam as celebrações em bailados religiosos. Os núcleos não querem incorrer no risco de restringir suas reuniões a debates em torno da atual conjuntura. Sabem que tudo é político, mas a política não é tudo, como afirma Clodovis Boff. Procura-se o diálogo íntimo com Deus, através da experiência do silêncio, deixando-se "tocar" pelo Espírito, numa comunhão amorosa que ultrapassa palavras, ideais e conceitos.


As três dimensões que fundam a eclesialidade são valorizadas pelo MIRE, um movimento abertamente ecumênico: senso de comunidade e partilha; nutrir-se espiritualmente na Bíblia e nas obras dos místicos; compromisso pastoral numa dimensão libertadora.


O termo "Revolução" não tem, para o MIRE, a conotação bélica dos anos 60/70. Expressa o sentido etimológico de "começar de novo", tanto do ponto de vista pessoal, quanto do social. Equivale aos termos evangélicos "conversão" ou "metanoia", transformação radical de vida, na perspectiva do amor e da justiça, e da sociedade, na esperança de que "um outro mundo é possível", sem desigualdades e exclusões.


ADESÕES


O MIRE quer ser, para os jovens, uma alternativa à necrofilia do Neoliberalismo, com sua ânsia consumista, seus entretenimentos centrados na pornografia e na violência, seu esvaziamento espiritual e sua exaltação da glamourização física. Pretende ser o espaço capaz de atualizar, no Brasil de hoje, os carismas de homens e mulheres como Francisco de Assis e Catarina de Sena, Mestre Eckhart e Teresa de Ávila, João da Cruz e Simone Weil, Gandhi, Luther King e Che Guevara.


Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Leonardo Boff, de "Mística e Espiritualidade" (Rocco), entre outros livros.


Se você também tem fome de pão e de beleza , idade entre 16 e 30 anos, e está interessado/a em integrar um movimento fundado nos princípios acima, nos comunique:
MIRE - oração e militância
Avenida São João, 1979, conjunto 12,
Bairro Santa Cecília
01211-100, São Paulo, SP - Brasil
Tel: (11) 3828 0181
email: mirebrasil@uol.com.br


ou


Os interessados podem entrar em contato com o movimento através de correio eletrônico (mirebrasil@hotmail.com) ou pelo endereço: rua Padre Artur Somensi 89, Cep: 05443-030 São Paulo, SP. Tel: (XX-11) 3813-6755.

7 de fev. de 2007

Um outro Brasil é possível...!

Dois fatos que aconteceram nesta semana deixaram-me mais reflexivo. Sei que ultimamente a maiêutica socrática, enquanto arte do diálogo e do debate, não anda em moda. Mas não me preocupo com os modismos, tão peculiares nestes tempos chamados de pós-modernos, mas que ainda fabrica a toque de caixa milhões de flagelados e de miseráveis não só no Brasil, mas pelo mundo todo.

O ano de 2005 está sendo um período de descobertas. Para uns, a descoberta de que a utopia está se distanciando da esperança. Para outros, a descoberta de que ainda é possível construir um Brasil melhor, de fato, um Brasil para Todos conforme aparece nos slogans de propaganda do Governo Federal. Aliás, Governo este que está perdendo a credibilidade devido à crise instalada no Palácio e em todo o âmbito da política nacional.


Aqui desponta minha primeira maiêutica costurada dialeticamente pela práxis. O atual Governo, eleito em 2002, como sinônimo de mudança, vem perdendo espaço para seus próprios erros e equívocos. Já dizia alguém no passado, talvez um agricultor com sua sabedoria popular: Errar é humano, mas persistir no erro é burrice. Quantas e quantas vezes no interior de Goiás e mesmo em São Paulo, na grande cidade, ouvi pessoas sem saberes científicos, mas providos de uma sabedoria popular imensa, afirmarem esta frase. Aliás, qual de nós, em nossas famílias, não teve uma educação informal baseada nesta singela frase de cunho pedagógico? Mas o erro apontado pela frase, não se refere somente ao indivíduo, mas também as instituições e estruturas humanas como a Igreja, os movimentos sociais, os partidos políticos e o próprio Estado. Sabemos que desde a Campanha Eleitoral que deu a vitória ao nosso irmão Lula, o PT já não era mais o mesmo. Tinha uma espécie de invólucro que o distanciava de suas origens, de suas metas primeiras, de seus objetivos mais sui generis, de sua proposta alternativa de Poder. Aliás, por se falar em Poder! O PT que conquistou o Palácio do Planalto não é o mesmo que fora fundando em 1980 sob a égide de defesa aos trabalhadores da cidade e do campo e que tentava ser o diferencial no fim lastimável da Ditadura Militar no Brasil.


O PT assume o Governo em 2003 com um mandato popular legitimado pelas urnas sentia que, de fato, a Esperança poderia Vencer o Medo. No fim deste terceiro ano de Governo, estamos vivenciando o inverso da história que poderia ser diferente se não fossem as persistências em continuar errando. Sabemos que desde a Campanha o PT começou errando ao apresentar ao país o chamado “Lulinha Paz e Amor”, um jargão utilizado pela Mídia que hoje podemos entender. Mas, como foi a Mídia que o intitulou assim, diria que o Lula apresentado não era o Lula do PT, era o Lula do Campo Majoritário, da chamado Corrente... Que de Corrente somente se percebe a escravidão em suas próprias falhas. O Lula apresentado era o Lula marketeiro, fabricado pelo Duda Mendonça que em tempos passados havia fabricado a síndrome política paulistana denominada Maluf. Era o Lula do Zé Dirceu que mantêm, num estilo pior do que os bolcheviques, o PT ao controle de suas mãos e seus fiéis súditos. Na verdade, se Bento XVI não se cuidar é capaz do Zé querer tomar seu posto, de tanta ânsia pelo Governo e pelo Poder. Como ficou comprovado em suas falas “meu Presidente, meu Governador, minha Prefeita (Marta), meu Deputado, meu Senador, minha vereadora”, só falta-o dizer agora “Meu Papado”. Mas, parece-me evidente que o exercício de poder do Zé Dirceu dentro do PT é uma espécie de Papado pré-Concílio Vaticano II onde o Papa era de fato o senhor infalível de todas as coisas, as do céu e as da terra.


Toda a crise política ocasionada e testemunhada pelos cidadãos e cidadãs do Brasil tem sua gênese que assim destaco em ordem: mudança no perfil do PT nas eleições (tudo para conquistar o Poder); negação de suas lutas históricas e assumência de uma nova postura, a de ser velho companheiro neoliberal do PSDB (ou seja, assumir as suas causas); a falta de uma política social e uma adesão à política econômica ditada pelo FMI e pelo Banco Mundial; venda de privilégios a correligionários da Corrente do Campo Majoritário; compra de Partidos Políticos para a Base aliada; alianças contraditórias com inimigos históricos (é a mesma coisa de Deus – para os que acreditam – inventar de querer fazer aliança com Satanás – se é que ele exista também); negação de direitos aos trabalhadores como a aprovação da Reforma da Previdência (o que ocasionou na expulsão de pessoas sérias que vieram a fundar – profeticamente – o PSOL, uma nova Páscoa para a política brasileira); entre outros erros e mais erros do PT e do Governo. Parece que o Governo gosta de continuar errando. Errou na eleição para Presidente da Câmara, onde o Brasil todo viu despontar um personagem típico da política oligárquica brasileira, o Severino Cavalcanti, que até coroado com medalha de honra ao mérito foi pelo Palácio. E agora comete os mesmos erros com a eleição de um novo Presidente. São tantos erros e persistências no erro que passaria horas e horas escrevendo que não terminaria jamais.


Mas, dois fatos se sucederam esta semana o que me dá, particularmente, esperança em ver um dia acontecer a tão sonhada conquista popular, a tão sonhada justiça para os pobres. O primeiro fato é tomada de decisão do amigo e irmão de caminhada Plínio de Arruda Sampaio, do deputado Ivan Valente, do amigo cristão Orlando Fantazzini (deputado federal por SP) e do Chico, o nosso Chico Alencar em saírem do PT. Comparo esta saída com a saída do Povo de Israel que se retira do Egito. Era preciso sair do domínio do Faraó, assim como, era preciso sair do domínio dos faraós do Campo Majoritário. E encontram um Partido, pequeno ainda, mas singelo e querido como sua representante oficial que não é nenhuma “faraó” e, muito menos, cacique do Partido, a Senadora Heloísa Helena. O PSOL irá abrigar assim como a Ponte abriga milhões de sem casa por este Brasil, aqueles que deixaram ou melhor foram deixados pelo Partido, já que o mesmo tomou rumos contraditórios que não são coerentes com sua história política e popular. Apesar de não ser ainda do PSOL oficialmente, já o sou de coração, e digo Bem-Vindos irmãos e irmãs da caminhada.


Poderia ficar preocupado sem não existisse mais alternativas, mas elas existem, os movimentos sociais e populares não morreram, estão aí, bem vivos, esperando a Páscoa acontecer já que estamos vivendo momentos de Cruz e Trevas. O PSOL só tem a ganhar com estes companheiros e companheiras que deixam o PT. Nunca imaginei estar refletindo acerca disso, pois jamais me imaginei longe do PT que sempre lutei nas bases para se fazer compreendido e hoje, o que vejo é uma profunda tristeza e, ao mesmo tempo, uma alegria por estar vendo despontar no cenário político com o número 50, a sigla PSOL, que será de fato o surgimento de uma nova aurora e um novo raiar. Ontem, com a saída dos companheiros e de outros tantos, lembrei-me, como cristão, do Profeta Isaías que já dizia: Como o raiar, raiar do dia, a tua luz surgirá... E a luz está surgindo, pois o SOL vencerá as TREVAS do PT e da falsa esquerda.


O segundo fato que me deixou numa situação de maiêutica foi a situação limite que chegou o MST. O MST tentou, buscou sentar-se à mesa, buscou entender, mas não deu. O MST talvez tenha sito o movimento social mais próximo de Lula e do PT, mas que ontem disse um Basta! Basta de mentiras, basta de liberar 500 milhões para as emendas dos deputados por causa da Eleição na Câmara e não liberar um centavo para a Reforma Agrária, basta de pagar juros da dívida (o famoso superávit primário que continua pagando bilhões de uma dívida já paga e que parece que somos condenados a paga-la eternamente) a mando do FMI e não assentar uma família sequer no segundo semestre de 2005. Aliás, poderia passar horas para dizer todos os “bastas” do MST. Confesso que senti uma grande alegria ao ver o MST de novo nas ruas, nas praças e com seu lema tão próprio, tão deles e tão nosso: Ocupar, Resistir e Produzir! Confesso que já estava com saudades desses gritos ecoando dos rostos sofridos daqueles e daquelas que lutam pela Reforma Agrária.


O MST é face social dos enganados pelo PT. A Mídia continua afirmando sua velha máxima de que os sem terra invadiram e não sabem diferenciar os conceitos entre invasão e ocupação. Até quando, até quando irão maltratar a semente da esperança social, chamado MST? Até quando as elites continuaram a inculcar na mentalidade do povo brasileiro de que o MST são um bando (até parece voltarmos às mentiras acerca de Lampião e seu bando no início do século XX) de baderneiros, de irresponsáveis, de que invadem terras de pessoas que lutaram e trabalharam tanto para consegui-la? Até quando se verificará a omissão da verdadeira história do Brasil, loteado em seus primeiros anos pela Capitania Hereditária e depois, roubado pelas grilagens de terra que são denunciadas todos os anos pela Comissão Pastoral da Terra? Até quando veremos também as pessoas simples, excluídos da sociedade continuarem a reprodução social do conceito de que o MST é um movimento violento, de que pega a terra dos outros que trabalharam (infelizmente, a Mídia não fala de que grilagem de terra não é trabalho) tanto para consegui-la? Até quando veremos irmãos e irmãs tombarem com balas no peito porque defendem a luta dos trabalhadores, como é o caso de Pe. Josimo e Irmã Dorothy (e até quando veremos criminosos condenados pelos crimes contra sem terras serem soltos como é o caso do comandante do Pará a semana passada), entre outros tantos e tantas. É bom lembrar de que havia um receio da elite oligárquica de que Lula faria a Reforma Agrária. Quantas vezes ouvi pequenos agricultores dizerem enganados por falta de informação: Não voto no Lula por que ele vai fazer a Reforma Agrária, vai tirar os 5 alqueires de terra que tenho. Penso que além da falta de informação desse pequeno agricultor, o pior, é o fato das elites oligárquicas estarem hoje festejando o Governo Lula como o governo das elites que beneficia os banqueiros e os latifundiários. Quem imaginou que as coisas se dariam dessa forma? Ninguém da esquerda socialista, ninguém das CEBs, ninguém dos movimentos sociais e ninguém do MST. Todos acreditaram porque exatamente fundaram aquele PT do passado que existe hoje somente na história brasileira.


Assim, diria que o PSOL e o MST são as duas esperanças populares de nossos tempos marcados por incertezas e por trevas. É, por isso, que acredito que no Brasil ainda podemos, ainda se pode. Acredito que é possível um novo Brasil porque existe o MST e o PSOL, sementes lançadas ao chão e que dão frutos aos menos favorecidos, sabem por que? Por que são os próprios desfavorecidos que comandam o MST e o PSOL. Que o vírus do PT não contamine jamais o PSOL e o MST, e que a doença do Zé Dirceu pelo Poder a qualquer custo não se evidencie em nenhum e nenhuma militante do MST e do PSOL, pois daí poderemos dizer com toda a certeza: Termos um outro Brasil. Por enquanto só podemos afirmar de que ele (o Brasil) ainda é possível.


Claudemiro Godoy do Nascimento

Novembro de 2005

6 de fev. de 2007

Tempo da Espera, Esperança!



E a Palavra se fez homem e habitou entre nós. E nós contemplamos a sua glória: glória do Filho único do Pai, cheio de amor e fidelidade” (Jo 1, 14).

Mais um Tempo surge neste maravilhoso pôr-do-sol que nos deixa perplexo com as maravilhas da criação. Desponta para todos e todas nós uma nova espera na esperança. Com o advento somos convidados e convidadas a refletir nossa caminhada, nossas vidas, nosso mundo. É tempo de rever os passos dados, de refletir acerca do que fizemos e do que fomos. É tempo novo que urge, mais uma vez, em nossa bela tradição cristã.

Mas, o que esperar de mais um ano que se passa, de mais um tempo litúrgico que desponta em nossas vidas? Somos chamados e chamadas a esperar na esperança. A esperança que espera o tempo certo para se fazer aparecer. A esperança que espera o momento certo para nos reencantar novamente. Neste sentido, somos interpelados pelo entoar de nossas comunidades que em coro celebram ao Deus da Vida cantando enfaticamente: “Vem, Senhor Jesus!” Pois, iniciamos a espera na esperança do Emmanuel, aquele que se faz gente como a gente, que vem fazer morada nas taperas, nas favelas, nas ruas, nas malocas, nas matas, na dor e na alegria. É o Deus Conosco! A esta tradição cristã das primeiras comunidades é que dedicamos mais uma espera na esperança.

Esperar o Verbo que se encarna entre nós significa entender que somos chamados e chamadas a participar desse discipulado do Reino promovido pelo Deus da Vida. Deus da Vida que nos deu neste ano de 2005 muitas razões para continuar acreditando que é possível sonharmos juntos uma sociedade possível, um mundo possível. Por isso, continuamos tendo a certeza de que a espera na esperança é válida e necessária, mesmo estando na aflição de um mundo que se destrói a cada dia que passa. Por isso:

Esperar na esperança, pois vimos a Páscoa do V Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre. Mais uma vez, militantes dos movimentos sociais e populares do mundo inteiro se encontraram para trocar experiências, promover a paz, refletir mundos possíveis e alternativos frente ao avanço da economia de mercado, do neoliberalismo excludente e da globalização voraz. Juntamente, com o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, não podemos esquecer a espera na esperança com a realização do Fórum Mundial de Teologia da Libertação realizado também em Porto Alegre e que mostrou uma fonte de riquezas e vivacidade na luta pelas causas do Reino que continuam a ser tantas, pois o lugar teológico continua o mesmo, a partir da nossa opção preferencial pelos pobres.

Esperar na esperança com o Deus da Vida que ressurge, vencendo a morte, com a doação da vida de nossa querida e estimada Irmã Dorothy, mártir da causa do Reino, causa de todos e todas nós, cristãos e cristãs, que querem ver o projeto de Reforma Agrária sendo efetivado na prática por meio de políticas públicas realmente libertadoras. O sangue dessa nossa irmã, estadunidense de nascimento, brasileira e amazônica de coração, mostrou que ainda é possível surgirem profetas que assumem a causa do Reino com todo o despojamento necessário para se dar Vida pelas Vidas.

Esperar na esperança com a realização do nosso XI Intereclesial de CEBs realizado em Ipatinga, nas nossas Minas Gerais do Uai, do Sô e do queijo fresco. Esperar que as CEBs possam continuar sua caminhada enquanto um novo jeito de ser Igreja, assumida pelo episcopado em Medellín, Puebla e Santo Domingo, bem como, pela própria CNBB. A espiritualidade do seguimento é importante para todos e todas nós, que acreditamos viver uma Igreja de Jesus, participativa, ministerial, laical e diaconal, que acredita na transformação da sociedade e que deseja que ela se torne Kairós do Reino, fraterna e terna, justa e solidária, nossa e de todos (as). Agora, até chegarmos a Porto Velho para a próxima Páscoa Intereclesial, um longo caminho se faz necessário, na espera de que a esperança faça ressurgir em tempos neo-pentecostais a força necessária para fazer da CEBs uma alternativa possível para nossas comunidades, pois apresenta uma bela e sólida espiritualidade.

Esperar na esperança de ver uma nova política para a sociedade brasileira. Eticamente sustentável e moralmente justa. A população brasileira tinha um grau de confiança no PT e no projeto Lula Presidente, por levantar a bandeira da ética e da honestidade na política. E o que vimos foram alguns escândalos que fizeram até mesmo os coronéis do Brasil se levantarem contra o nosso tão sonhado projeto alternativo e popular. Não podemos esmorecer. Enquanto cristãos e cristãs somos co-responsáveis pela construção do Brasil.

Esperar na esperança do sonho ecumênico vivido pela Jornada Ecumênica realizada na cidade de Mendes, Rio de Janeiro e promovido pela nossa entidade ecumênica Koinonia. Sonho e espera no ecumenismo, onde irmãos e irmãs possam deixar as diferenças de lado e sentar na mesma mesa da partilha para celebrar juntos a Palavra e a Eucaristia. Foram momentos de vida, de partilha e de expressão de que o ecumenismo não está tão distante assim. A beleza no ecumenismo se refletia nas falas, nas danças, nas festas e na liturgia. Todos juntos, cristãos e cristãs, anglicanos, católicos, presbiterianos, luteranos, metodistas, assembleianos, batistas, o nosso querido candomblé com seu jeito especial de louvar ao Deus da Vida. Todos e todas numa só causa, com um só sentimento, a verdadeira Diversidade na Unidade.

Esperar na esperança na atitude de Dom Frei Luis Cappio, nosso irmão e nosso frade do Nordeste. A greve de fome pela vida e pela revitalização do Rio São Francisco fez com que setores da Igreja e que políticos ligados ao latifúndio se manifestassem contra esse irmão menor, que se tornou um grande Profeta do Reino. Por isso, há quem diga que quando estamos quase perdendo a esperança surge um profeta que nos fortalece na luta e nos anima na caminhada. Esse é o nosso Luis Cappio, bispo, pastor e profeta. Há muito estávamos sentindo a falta de um profeta dessa nova geração de bispos e eis que o Espírito nos deu Luis, nosso fradezinho menor, bispo de Barra na Bahia.

Esperar na esperança com a decisão de se realizar no Brasil em 2007 a V Conferência Episcopal da América Latina, no Santuário Mariano de Aparecida. Que esta Conferência siga os mesmos passos de Medellín, Puebla e Santo Domingo, com as opções necessárias de uma Igreja que se encarna na história e na vida de nosso Povo. E, ainda mais, agora com um novo Bispo em Roma, nosso Símbolo de Unidade Universal, Papa Bento XVI para que possa seguir com fidelidade o Evangelho e as decisões tomadas pelo Concílio Vaticano II.

Esperar na esperança a partir da realização da Assembléia Popular realizada em Brasília, onde movimentos sociais e populares deram sinais de vida, esperança e força na caminhada. Dos sem terras aos povos indígenas, de militantes políticos a agentes de pastoral, de estudantes a entidades de classe e ONGs. Todos e todas numa mesma estrada. A estrada que está por ser construída. A estrada de um projeto de desenvolvimento político popular e sustentável para o Brasil.

Enfim, esperar na esperança de que possamos continuar a caminhada, a busca pela vida e vida para todos e todas em plenitude (Jo 10,10). Os desafios são muitos. Chegou a hora de refletir os passos dados neste ano e iniciar uma nova caminhada, com mais desafios a serem superados. Esperar na esperança de que a Páscoa vence a Cruz, de que a Vida vence a Morte. Para isso, somos interpelados pelo Evangelho a fazer opções novamente e reencontrar o caminho perdido ou paralisado. Muitos e muitas dependem de nossa caminhada e de nossa luz. Então, saíamos debaixo do candeeiro e deixemos com que nossas atitudes brilhem ao mundo, anunciando que uma nova sociedade é possível e necessária, sem perder o sentido de tudo, principalmente, de que precisamos ESPERAR NA ESPERANÇA.

Do irmão

Claudemiro Godoy do Nascimento
Dezembro de 2005

5 de fev. de 2007

Terra de Deus, Terra de Irmãos


Há duas semanas foi aprovado o relatório da morte, um relatório do ódio e da opressão organizado pela Bancada Ruralista do Congresso Nacional tendo à frente os velhos oligárquicos do sistema fundiário brasileiro. Uma queda de braço vencida com facilidade, pois a bancada da CPMI da Terra tinha em sua maioria membros ligados à União Democrática Ruralista (UDR). Enquanto os outros membros, a minoria, pertenciam aos movimentos sociais do campo e organizações que apóiam a luta pela terra e pela Reforma Agrária como o MST e a Comissão Pastoral da Terra.
Foi relator da CPMI da Terra o Deputado João Alfredo (PSOL-CE) que retratou um mapa da situação de conflitos no campo ocasionados pela omissão do Estado em combater os desmandos de grupos de grileiros, fazendeiros, madeireiras, mineradoras etc. Além disso, fez um balanço das conquistas e lutas sociais em defesa da Reforma Agrária. Não se contendo com este relatório, a bancada ruralista elaborou um projeto alternativo por meio do Deputado Abelardo Lupion (PFL-PR) que fez o oposto do relator, indicando que o conflito parte dos movimentos sociais, em especial, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de outros e propõe a criminalização dos movimentos sociais do campo, pois se trata de uma rede organizada de terrorismo que atua no Brasil com o objetivo de deslegitimar o direito “sagrado” da propriedade privada. Acusam os integrantes do MST e de outros movimentos de promover a guerra no campo e que todos os que apóiam o MST não passam de um braço nacional ou internacional do movimento. Na votação realizada, venceu o projeto alternativo da Bancada Ruralista que mais uma vez mostrou sua força política dentro do Congresso Nacional que continua sendo a Casa das Oligarquias.
A questão da terra é um problema no Brasil desde a chegada dos europeus. Os portugueses que aqui chegaram encontram uma terra livre, sem cercas, com muitos povos indígenas que viviam conflitos entre si, mas que jamais ousaram cercar um pedaço de terra e dizer: Isto é meu! Os portugueses desde o princípio criaram as Capitanias Hereditárias, uma grande extensão de Terras dadas a poucos que, por sua vez, distribuíam aos donatários que usavam a terra por um tempo, numa espécie de contrato. Criou-se o mito da propriedade privada. Mito de que todos e todas têm o direito a ela e de que sua origem é sagrada.
O mito da propriedade privada serve até hoje para justificar abusos como estes da CPMI da Terra, entre outros tantos já cometidos. Justifica-se o latifúndio por meio dela. O Deputado Abelardo Lupion (PFL-PR) em sua tese de defesa utilizou desse mito ao comparar que seu apartamento poderia ser “invadido” por grupos de sem teto. Dois profundos equívocos. Primeiro, a CPMI tratava de um assunto da Terra no âmbito rural, agrário. Segundo, a questão da moradia é assunto para outra CPMI já que está em moda formar várias CMPIs.
Com o desenvolvimento do mito da propriedade privada criou-se uma cultura de que todos os que possuem terras são seus verdadeiros donos. A Terra é dele e tudo o que estiver em cima da terra lhe pertence. Foi assim, que os senhores tratavam os escravos. Os escravos também eram propriedade privada junto com a terra em que pisavam. Os únicos que não aceitaram muito essa idéia foram os povos indígenas. Resultado dessa não aceitação da propriedade privada, um genocídio de povos indígenas nestes 505 anos de invasão lusitana e européia no Brasil. Um verdadeiro massacre de índios que nunca compreenderam bem os reais motivos de se cercar um pedaço de chão e dizer: Isto agora é meu! Isto me pertence! Para os povos indígenas, não existe o conceito de propriedade privada, mas o conceito de propriedade coletiva. A Terra é um bem de todos e todas, daí a necessidade de um cuidado terno e fraterno para com ela, pois é nossa Pacha Mama ou Gaia.
Assim, foram se formando os verdadeiros paraísos de latifúndios pelo Brasil. Os latifúndios são grandes extensões de terras devolutas, griladas ou mesmo compradas por grandes empresas multinacionais. Mas, em sua maioria, as terras são griladas de posseiros e de índios, ou mesmo, do próprio Estado. Engana-se quem pensa que os latifúndios são fazendas de pessoas que conseguiram com muito esforço do trabalho compra-la. Não é bem assim a verdade das coisas no meio rural.
Foi somente no século XX que os pobres começam a se organizar em sindicatos, movimentos sociais e populares e nas Ligas Camponesas com o objetivo de lutar pela posse da terra. Foi o que aconteceu, principalmente, dos anos 50 em diante. Isso gerou conflitos no meio rural. Conflitos políticos, culturais, religiosos e econômicos. Alguns entendem que são conflitos de interesses e de classes. Pode ser, mas a questão chave se encontra no surgimento de uma oposição ao modelo de propriedade privada tida como sagrada. Os excluídos começam a questionar quando se organizam nos movimentos sociais. E, resumidamente, foi assim que se deu todo o processo de construção do imaginário coletivo dos que defendem a propriedade privada enquanto latifúndio e o agronegócio e os que defendem a reforma agrária.
Na Campanha da Fraternidade de 1986 as comunidades refletiram sobre a questão da Terra – Terra de Deus, Terra de Irmãos – e nunca se negou que todos tenham o direito de acesso à posse da terra. No entanto, clamava-se por uma redistribuição justa e eqüitativa da Terra, ainda nas mãos de poucos. Passados 20 anos muito pouco se alterou neste cenário. Pode-se dizer que as questões agrárias tomaram rumos de um avanço do capitalismo no campo com a implantação do Agronegócio e do Hidronegócio. Agora, terra e água são produtos do latifúndio legitimado. Hoje, é muito mais fácil conseguir crédito rural para se plantar soja transgênica enquanto empresário do campo do que conseguir o mesmo crédito como agricultor familiar para se plantar sua roça.
Ainda não se tem um modelo ideal de Reforma Agrária baseado numa cultura da cooperação e da associação entre as famílias. Daí que o pequeno agricultor assentado depois de anos na luta debaixo da lona dos acampamentos para conseguir o pedaço de terra não consiga sobreviver no campo. A concorrência com as grandes e médias empresas rurais e suas tecnologias de ponta atropela qualquer tentativa do pequeno agricultor familiar. O governo, por meio do INCRA, quando cria novos assentamentos não investe na formação de uma nova cultura para os assentados. As pessoas, humanas, são jogadas na terra como gado é jogado no pasto sem nenhuma condição para se iniciar um projeto de desenvolvimento sustentável para as famílias e comunidades. O circulo vicioso continua o mesmo, de uma propriedade latifundiária cria-se várias propriedades privadas minifundiárias desconectadas entre elas. Sozinho, o pequeno camponês, luta com todas as forças para sobreviver. Daí o sensacionalismo da mídia e das elites em afirmar que os sem terras vendem suas terras, que ganham a terra e depois vendem, como se não existissem motivos concretos para casos de desistência. Desiste-se da terra porque há injustiça no meio rural.
De nada adianta se não investir na formação dos pequenos camponeses numa cultura do cooperativismo e do associativismo. Juntos, poderão ter mais força no mercado e na concorrência com o grande proprietário que faz de sua propriedade privada um enorme oásis de plantação de soja transgênica ou de reprodução da bovinocultura de corte para o abate.
No entanto, a CPMI da terra perdeu uma oportunidade de mudar este quadro de injustiça histórica no meio rural. Mais uma vez os defensores da “sagrada” propriedade privada venceram. O que isso significa? Significa que os latifúndios determinam as relações políticas no Congresso. Significa que o ódio da ganância venceu o amor da partilha e da redistribuição da terra. É um momento de Cruz no meio rural, para os movimentos sociais e populares. Um momento de redefinir as ações e planejar novas estratégias. Pois teremos a Páscoa e ela virá, com uma reforma agrária verdadeira onde os assentados e assentadas tenham a compreensão de que sozinhos nada poderão fazer, mas juntos, em comunhão pode-se transformar essa realidade injusta.
Mas, podemos afirmar juntos com o MST e outros movimentos sociais do campo que: Crime hediondo são as cercas e os jagunços que a protegem de seus verdadeiros donos, os que não a têm porque dela foram expulsos. Chamar os movimentos sociais e populares do campo de terroristas foi a gota d’água de um processo histórico que demonstra os mandos e desmandos do poder oligárquico de atraso existente no meio rural brasileiro. Mas, o grande problema é que os defensores dessa tese de criminalização buscam defender o dogma de que a propriedade privada é um direito universal e sagrada. A terra é um bem de todos os povos. Devemos romper com o mito de que o latifúndio seja propriedade privada legitimada pelo direito sagrado e universal. Daí a necessidade de formar uma nova cultura que permita o uso da terra como bem comum de todos com justa e eqüitativa redistribuição de seus bens.
As elites continuarão a atacar por meio da mídia as ações do MST e de outros movimentos sociais do campo. As oligarquias rurais continuarão seus mandos e desmandos fazendo com que a própria terra se volte contra suas atitudes de ecocídio. E os pequenos camponeses, com criminalização ou sem criminalização continuaram a lutar pela vida, a dançar a esperança, a construir História e, assim, na esperança do canto provar-se-á de que hediondo é a ganância e que crime é fazer de um direito social um direito sagrado, um dogma, a propriedade privada. Por isso, ao que parece, os movimentos sociais do campo continuaram a marchar rumo à Terra Prometida encantando a todos nós e cantando com voz forte sempre: Ocupar, Resistir e Produzir porque a Terra é Terra de Deus, Terra de Irmãos.
Claudemiro Godoy do Nascimento
Escrito em Novembro de 2005

4 de fev. de 2007

Dom de Deus, Dom da Vida!



Estamos assistindo e participando de um momento de comoção triste/alegre. A Greve de Fome de Dom Frei Luís Flávio Cappio, bispo da Diocese de Barra, na Bahia que se encontra numa capela as margens do Rio São Francisco na cidade de Cobrobó, Pernambuco. Mas por que este franciscano está em Greve de Fome, podem perguntar assustados os católicos do Brasil? Ou então, por que este homem está em Greve de Fome há 6 seis dias, desde 26 de setembro de 2005?
Primeiro, faz-se necessário entendermos o contexto. Frei Luís, antes de ser bispo, é um frade franciscano que há mais de 15 anos trabalha na região da Bahia onde se encontra o Rio São Francisco. Dedicou-se às populações ribeirinhas e à defesa do Rio São Francisco. É um homem que está a serviço da vida, a serviço de Deus. Parece estranho falarmos que alguém está a serviço de Deus em nossos dias, diante de uma sociedade baseada no individualismo onde o lema parece ser: Cada um por si e Deus por todos... Assim, imagino o que se passa na mente das pessoas que estão desinformadas deste fato. Além disso, a imprensa não está dando a atenção devida ao assunto porque não lhe interessa mostrar o fato, pois vai contra o que pensa Frei Luís e a Igreja do Brasil.
Frei Luís é uma pessoa sensata. Seu ato chegou a loucura de dar a vida em protesto contra o Projeto do Governo Federal que busca a Transposição do Rio São Francisco inaugurando o chamado hidronegócio. Este projeto não tem o apoio das comunidades e das populações ribeirinhas e não leva em consideração os verdadeiros impactos ambientais que poderão surgir o que causará a morte do Rio São Francisco. Outra questão refere-se a falta de seriedade do Governo em ouvir os pobres e excluídos da sociedade. O Governo ouviu alguns interessados, a saber: as empresas que entraram na licitação pública, os governos neoliberais e, principalmente, os empresários da água que querem tornar um bem público (Rio São Francisco) em bem privado a alguns poucos que terão as condições necessárias para obter a água do Rio São Francisco.
Todas as formas de diálogo com o IBAMA e o Ministério da Integração Nacional foram suprimidas. Diante da falta de diálogo por parte do Governo, Frei Luís toma uma atitude que ele mesmo diz ser uma loucura, diante da falta de razão desse Governo que se elegeu como sendo Popular e Democrático. O que significa isso? Significa que todas as formas racionais de entendimento, diálogo e escutas não foram levadas a sério por parte do Governo. Diante desse irracionalismo governamental, surge a figura do profeta. Há poucos dias atrás escrevi um artigo intitulado: Igreja: um testemunho profético. Jamais imaginaria que o artigo fosse se verificar numa realidade concreta. A Greve de Fome desse bispo do nordeste, desse irmão menor de Francisco de Assis, é uma prova de que o amor pode vencer as estruturas de morte.
Frei Luís faz uma Greve de Fome para defender o Rio São Francisco e as populações que do rio se beneficiam contra a Transposição imposta por grupos econômicos constituídos que invadiram o Palácio do Planalto. De fato, o sonho acabou. Quem imaginava ainda que o povo havia conquistado o Poder com a eleição de Lula pode começar a refletir o seu contrário.
Outra curiosidade: Dois Luis estão em luta, em lados opostos. O Luís, bispo, frade e Pastor da Diocese de Barra está em defesa vida mesmo que venha perde-la. Este Luís segue o mandamento do amor onde se determina que o seguimento ao projeto de Jesus deve estar condicionado pela renúncia. O ato de nosso Frei Luís é um ato evangélico e profético levado as últimas conseqüências. Só quem ama muito é capaz de um ato assim. Não é um ato heróico em si, mas um ato de amor. Há muito tempo não víamos tamanho amor pelo Reino do que este testemunho dado pelo nosso Frei Luis. Por outro, temos o Luis, nordestino, operário, Presidente da República que ao assumir o Poder se esquece de suas origens, se esquece de seu Povo, se esquece de suas lutas históricas e sua bandeira. O Luis, bispo e frade, é nosso irmão que sabe entender o povo por que ama e doa sua vida pela causa do Reino que é a causa de Jesus. O Luis, ex-operário e hoje Presidente da República, nega-se a ouvir o povo e prefere ouvir os empresários da água que querem inaugurar um novo tempo para o nordeste chamado hidronegócio.
A Greve de Fome se torna um ato de amor. Onde está o ato de amor na Transposição do Rio São Francisco? Onde está o ato de amor do Presidente, do Ministro Ciro Gomes e de todos os envolvidos com este projeto de morte?
Lembro-me da música que cantamos em nossas comunidades no momento da fração do pão: Se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão... Se fecharem uns poucos caminhos, mil trilhas nascerão... Frei Luis é um profeta que clama em voz e ação no meio do deserto. Comove-me as comunidades e as Igrejas em mobilização de apoio. Se o Governo pensa que iremos recuar, jamais! A Igreja não brinca com o povo. A Igreja não é como o Governo que é comprado literalmente pelas elites, pelos banqueiros e pelo capital internacional.
Se o Governo tentar calar esta voz que clama no deserto, as pedras irão falar. Aliás, o Luis Presidente da República precisa tomar cuidado e começar a repensar sua posição, pois novos Luis irão surgir, de Norte a Sul, de Leste a Oeste neste país. Por isso, antes que aconteça o pior (o pior para mim seria a morte de nosso Frei Luis) é melhor o Governo das Elites mudar de opinião, pois as trilhas estão nascendo e brotando numa caminhada de comunhão entre irmãos e irmãs que estão apoiando a atitude de Frei Luis.
Estou revoltado, indignado e evangelicamente irritado com este Governo que ajudei a eleger. Nunca vi tamanha falta de senso e irracionalismo. Quem disse que o Governo Lula não faz privatizações: o Projeto de Transposição não passa de uma Privatização do Rio São Francisco que irá beneficiar somente quem tem dinheiro.
A revolta irá continuar. A indignação não passará. E a irritação evangélica jamais deixará de existir enquanto este Governo não descer do Pedestal e for ao povo.
Por isso, Luis da Vida, nós te apoiamos.
Luis Profeta, tua mensagem será seguida, pois és um testemunho vivo do Evangelho de Jesus.
Luis franciscano, que teu carisma de discípulo de Francisco de Assis possa te impulsionar e fortalece-lo na luta.
Luis Pastor e Bispo, teu testemunho dá força a toda a Igreja que caminha contigo nestes momentos difíceis.
Luis amigo, tua presença entre nós é importante, pois dela recebemos o amor de quem entendeu a mensagem de Jesus, o Reino é mais importante do que tudo.
Luis, Dom de Deus. Luis, Dom da Vida.


Claudemiro Godoy do Nascimento
Outubro de 2005.