18 de mai. de 2007

Um véu de integrismo e fundamentalismo ameaça o mundo pluralista de hoje

No primeiro dia da visita do papa escrevi um texto criticando a unilateralidade da mídia, que até melhorou nos dias subseqüentes. Mas ao final da visita, o questionamento virou-se para minha própria Igreja. A estadia do papa provocou emoções no mundo católico, como os aiatolás mobilizam multidões muçulmanas. Mas e os não católicos? Afinal, neste país, católicos realmente praticantes são uma minoria. Somos uma sociedade plural, com muitos católicos nominais, um número crescente de evangélicos, um número maior das religiões afro do que as estatísticas indicam, uma forte corrente espírita, outras religiões ameríndias ou asiáticas, os sem religião, etc. Aliás, o papa disse que não se podia convencer por imposição, mas pelo testemunho.
Como católico, fiquei vendo na televisão uma manifestação asfixiante de poder eclesiástico, vestes aparatosas, declarações contundentes. Tudo isso convencendo e, talvez, fortalecendo emocionalmente os já convencidos. Confesso que me senti bastante incômodo.
Meu primeiro texto ainda era esperançoso, mas depois de um dia respondendo por telefone a entrevistas de jornais, revistas e tvs, e vendo a mídia ocupada por um papa categórico, foi subindo um cansaço pelas afirmações petrificadas e as certezas sem reticências, mais perto dos guardiães do templo, do que de um Jesus que não ditava orientações, porém conversava com os menos respeitados, fazia perguntas e contava historinhas – parábolas. O papa começou tímido, mas o sorriso foi se abrindo aos poucos, influenciado pelo clima dos católicos arrebatados, especialmente no encontro com ex-drogados, um dos poucos momentos de humanidade. Porém no sentido contrário, os pronunciamentos, por exemplo, aos bispos brasileiros, foram se fazendo mais inflexíveis. Minha mulher e eu fomos respirar e ver “A alma imoral”, com texto do rabino Milton Bonder e interpretação fantástica de Clarice Niskier. Ali as certezas pétreas se dissolviam em vida e ternura, em dúvidas revigorantes, no rompimento de uma razão fechada nela mesma. Como seria bom se a Fé convivesse com esse clima de liberdade e de ousadia!
Por outra parte, do outro lado do mundo, mais de um milhão de turcos saíram à rua para defender um estado secular, livre de um governo islâmico fundamentalista. Ali os cristãos torcem para evitar o perigo. O patriarca cristão de Jerusalém, o segundo em dignidade depois do bispo de Roma, acuado no seu bairro pobre do Fanar, teria ainda menos liberdade num estado islâmico.
E aqui, os não católicos não terão razão de temer as investidas velhas de pedidos de acordos ou de caducas concordatas? O Papa falou de um “sadio” laicismo. Quais suas fronteiras? Por que pespegar um adjetivo vago e ambíguo? Por que não dizer que uma sociedade laica e plural é mais favorável à exemplaridade do Evangelho? O papa indicou a necessidade de criar consensos em torno a uma sociedade menos desigual e com estruturas justas. Mas consensos com quem? Consenso conosco mesmos é um solipsismo que não se agüenta em pé. Para criar consensos há que estar aberto e ouvir os outros. Não se trata de negar nossa identidade, que deve ser afirmada sem medos mas esta, enrijecida, vira fundamentalismo, ou na nossa linguagem, integrismo.
O Papa convoca os chamados leigos – porque não dizer os cristãos em geral? – a construir uma nova sociedade. Mas para isso são necessárias as mediações – movimentos sociais e culturais, opções de idéias, partidos. Tirando-lhes importância o que nos sobra? Simples argumentos éticos, uma cruzada de consciências ou reviver uma cristandade? Estou de acordo com a crítica a ideologias – como expressão de falsa consciência –, sejam as velhas ideologias de um marxismo que encolheu em idéias abstratas e experiências sufocantes, seja de um capitalismo que destila o que pensam e fazem as elites acuadas e iníquas. Mas então, qual seria a saída? De nenhuma maneira uma ideologia social-cristã, que historicamente também fracassou, resvalando para a direita liberal, ou para uma esquerda cristã de que sempre desconfiei. No Chile, nos anos sessenta, eu dizia que porque tinha Fé não podia ser ideologicamente democrata-cristão - ou socialista cristão-, encolhendo a Fé em ideologia. Isso aprendera com Emmanuel Mounier, em seu livro “A cristandade morta”. Porém o cristão, iluminado pela Fé, tem de procurar com outros, respostas concretas. Uma nova sociedade exige colar-se na realidade, a partir de análises, para chegar a programas, idéias e práticas novas. Mas se dissermos que o real só nós o possuímos, em Deus e em seu filho Jesus, de saída fechamos o diálogo, já que temos a solução no bolso. Para os possíveis interlocutores não deixaria de ser prova de arrogância e de falta de abertura à diferença. O discurso do papa, na inauguração da conferência dos bispos, muito bem encadeado e com aparentes perguntas, na verdade foi um desdobramento de respostas e de certezas asfixiantes para um diálogo e para a busca de consensos.
A começar por afirmações terríveis sobre a história do encontro das culturas na América, ocultando o conflito e a imposição do cristianismo pela espada e pela cruz. Como uma certa leitura das cruzadas, vistas do lado de cá, apenas como defesa solícita dos lugares sagrados. Um papa que virou santo, Pio V, perto daqueles tempos da conquista da América, chegou a dizer, justificando a inquisição, que matar hereges podia ser um ato de defesa da fé. Hoje temos vergonha de uma afirmação destas. Em alguns anos teremos pudor de algumas declarações que ouvimos agora?
A imprensa e alguns comentaristas disseram tolices, como que a crítica ao marxismo era interpretada como uma crítica à teologia da libertação. Essa reflexão latino-americana, que se abre a muitas dimensões e com novos participantes, se às vezes usou parcialmente mediações da teoria marxista, há muito as relativizou, descobrindo sua unilateralidade e limitações. Entretanto, essa teologia tem no seu cerne a opção preferencial pelos pobres, que segundo o mesmo papa é central na vida de Fé. Eu diria que aí ele confirmou, querendo ou não, a caminhada de uma Igreja da libertação, com suas pastorais sociais e suas comunidades eclesiais de base. Mas ao mesmo tempo, não pronunciou nem uma só palavra sobre elas, apenas fazendo a menção indireta de novos movimentos, que vão em outras direções.
Há uma contradição que dificilmente se mantém em pé. Ao afirmar a centralidade da Eucaristia, fica claro que a Igreja precisa de muitos espaços de celebração eucarística. Mas isso será impossível mantendo apenas a figura cada vez mais minoritária e marginal, no mundo de hoje, do sacerdote obrigatoriamente celibatário, que o papa magnifica a seguir. Faz logo adiante um apelo voluntarista a vocações para entrar nessa mesma fôrma, historicamente em crise, ou produzindo um novo clero conservador, inseguro e meio deslocado do mundo. Multiplicar a Eucaristia é multiplicar seus ministros e ministras, para isso ordenando cristãos e cristãs das próprias comunidades. O celibato obrigatório está mais ligado à vida consagrada do que à categoria dos presbíteros, que presidem a celebração eucarística. Mais e mais bispos e cristãos dizem isso em voz baixa, num sussurro que vai aumentando, mas que é ainda abafado por censuras e auto-censuras. Novos pontificados ou novos concílios terão que tratar corajosamente deste e de outros pontos ainda congelados (celibato obrigatório, a mulher na Igreja, reprodução e sexualidade, diálogo interreligioso, etc.)
Para isso há que enfrentar a esquizofrenia entre uma doutrina da sexualidade e da reprodução, em discordância crescente com a prática real dos católicos, no que Pietro Prino chama um “scisma sommerso”. O cardeal Newman, que esse papa admira, falava do desenvolvimento da doutrina. Em tantos campos, até agora bloqueados para uma discussão serena e corajosa, não se trata de negar dogmas, que são muito menos do que alguns crêem, mas de rever regulamentações historicamente datadas e passíveis de mudanças. Com isso não quero dizer que a prática determina a doutrina, o que seria uma posição preguiçosa ou oportunista, mas ela a questiona com novas perguntas que exigem novas respostas. Repetir o de sempre é encerrar-se num mundo que está morrendo.
Fica também no ar um clima integrista, uma adesão quase idolátrica à figura do bispo de Roma, que só pode ferir nossos irmãos cristãos não católicos e fazer sorrir quem vêm de outras tradições religiosas ou quem não as têm.
Jesus, um rabi que várias vezes se escondeu quando o queriam mitificar ou coroar, dava como exemplo de Caridade, não o sacerdote apressado que corria ao templo para cumprir seus deveres de profissional da religião, mas o samaritano heterodoxo, que não ia a Jerusalém, mas ao monte Garizim. Também se detinha para falar, à beira do poço, com outra samaritana, que tivera muitos homens em sua vida, e que poderia ser chamada por muitos de hedonista ou dissoluta. Os discípulos se escandalizaram. Os seguidores de hoje se esquecem disso.
Trago aqui o desabafo melancólico e triste de um católico que faz um balanço de tantos dias de triunfalismo, fechamento ao diálogo e alinhamento com fundamentalismos que apenas sabemos ver nos outros. Assim, não se visibiliza uma Boa Nova, mas se repetem prescrições rígidas saídas de manuais de uma catequese voltada para dentro. E depois, os católicos nos queixamos da diminuição dos fiéis – ou ficamos em manifestações que revelam um emocionalismo aeróbico, que tem muito pouco a ver com a Fé em Jesus Cristo, mesmo se Marcelo Rossi foi posto de lado por uns dias.
Não tivemos atitudes duras como as de João Paulo II na declaração de abertura da conferência em Puebla que, aliás, os bispos não seguiram nas discussões subseqüentes. Mas diante de um discurso bem articulado como o de Bento XVI é mais difícil, em Aparecida, uma posição crítica dos bispos, pois envolve por sua lógica e se torna mais complexo descobrir ali os pontos frágeis e contraditórios.
Teria sido muito bom ter ouvido alguém aberto a escutar, trazendo misericórdia e com-paixão, e não uma reflexão bem armada de um teólogo europeu, com seu discurso tradicional, aberto ao diálogo com a academia ou com Habermas, mas não com as comunidades latino-americanas, com seus pobres, índios, negros, cada vez mais protagonistas na história social e política. Não senti um papa de todos, pronto realmente – não teoricamente – a criar consensos, ao desafio de novas culturas e de novas sensibilidades, ele que poderia parecer atento às cultura de hoje. Não que tivesse que aceitar passivamente o que o mundo diz, mas uma visão pessimista desse mundo o vê unilateralmente marcado pelo individualismo ou pelo hedonismo. Há que estar aberto ao pluralismo das diferenças, e não ter medo do que há de prazeroso na busca de ser feliz – tão longe dos complexos culposos de uma espiritualidade ainda marcada pelo medo, por um jansenismo que paira no ar, e um agostinismo mal digerido.
A Igreja precisa hoje não só de profetas, de místicos, de mártires e de santos, e penso em Hélder Câmara ou Romero, mas de um testemunho coletivo de humildade e de simplicidade, para saber conviver com a alteridade e aí apresentar a Boa Nova, na construção plural, com os outros, de um mundo sem injustiças e sem desigualdades escandalosas. O que dirá a conferência de Aparecida? Seguirá mecanicamente e sem um discernimento adulto os passos indicados por Bento XVI ou saberá também ouvir o consensus fidelium de suas igrejas locais, como mostrou Newman em outra fase crítica da Igreja, no século IV? Assim poderá abrir-se à construção, na linha de João XXIII, de um consenso com outros homens e mulheres de boa-vontade, que realmente responda às necessidades e aos anseios de liberdade, de qualidade de vida e de felicidade, num mundo ao mesmo tempo rodeado de fundamentalismos, violências, fanatismos e ameaças ao próprio planeta.

17 de mai. de 2007

BEATIFICAÇÃO DE DOM ROMERO?

Carlos C. Santos*

A mídia burguesa, parcial e interesseira, como era de se esperar, deu destaque especial às críticas levantadas por Bento XVI à teologia da libertação, enquanto voava em direção ao Brasil. No entanto, não foi capaz de noticiar com igual ênfase a menção do Papa ao Arcebispo Mártir de San Salvador, El Salvador, Dom Oscar Arnulfo Romero (cf. http://noticias.terra.com.br/brasil/visitadopapa/interna/0OI1613746-EI8325,00.html), assassinado em 1980, por forças de ultradireita interessadas em conter o avanço do processo revolucionário salvadorenho, desencadeado pela FMLN (Frente Farabundo Martí de Liberación Nacional), e impedir que se seguisse, aí, o “mau exemplo” da Nicarágua Sandinista que acabava de triunfar.

Um processo de canonização de Dom Romero fora aberto em San Salvador, em 1994 e, em 1997, repassado à Congregação para a Causa dos Santos, em Roma, tendo sido, aí, paralisado.

Na alusão a Dom Romero, Bento XVI ressalta que “não se pode negar que tenha sido uma grande testemunha da fé e das virtudes cristãs, comprometido com a paz e contra a ditadura”. Além disso, “ele foi assassinado durante a consagração e, portanto, se trata de uma morte que serve como prova de fé”.

É mais do que evidente que, em contexto latino-americano, este é um detalhe que faz a diferença. Romero é símbolo da conjugação de inúmeros fatores que traçam o perfil do verdadeiro discípulo e discípula de Jesus na América Latina. Entre eles, a conversão ao evangelho dos pobres e aos pobres do evangelho; o caminhar no meio do povo simples e ameaçado, partilhando da mesma sorte dos oprimidos; a defesa incondicional dos direitos dos mais fracos e da vida perseguida e ameaçada; a opção pela justiça como única arma que poderá vencer as desigualdades e construir a paz; o amor autenticamente cristão que, levado às últimas conseqüências, se traduz em doação e entrega total e generosa da vida, como Cristo, pela libertação do povo...

Todas essas virtudes genuinamente evangélicas fazem de Dom Romero modelo de Pastor e Profeta para seu povo sofrido, e para todos os povos da América Latina e do Caribe. Sua ação evangelizadora e pastoral estava voltada para reconciliar e pacificar os salvadorenhos no amor e na justiça. Sua postura crítica era faca de dois gumes que questionava duramente tanto a conivência do governo, marionete das ingerências estrangeiras, como as práticas equivocadas de grupos pseudo-revolucionários.

No compromisso empenhado pela libertação do povo salvadorenho, suas proféticas palavras não ficam a dever, em nada, à profecia de corte bíblico: “Frente à ordem de matar seus irmãos deve prevalecer a Lei de Deus, que afirma: NÃO MATARÁS! Ninguém deve obedecer a uma lei imoral (...). Em favor deste povo sofrido, cujos gritos sobem ao céu de maneira sempre mais numerosa, suplico-lhes, peço-lhes, ordeno-lhes em nome de Deus: cesse a repressão!”. Estas foram as últimas palavras que a pequena grande nação salvadorenha ouviu de seu Pastor e Profeta que, no dia seguinte, se tornaria Mártir da Igreja dos Pobres.
Na celebração eucarística que presidia, no dia “24 de março e de agonia”, como que, já preparado, querendo preparar também os que o ouviam para o que aconteceria, Dom Romero atualiza a memória do Senhor da Vida e da Morte: “Neste cálice o vinho se torna sangue, que foi o preço da salvação. Possa este sacrifício de Cristo nos dar a coragem de oferecer nosso corpo e nosso sangue pela justiça e pela paz do povo”...Pouco depois, soaria o disparo fatal.

No dia 29, um grupo de bispos latino-americanos, presente para os funerais, redigiu e assinou um documento que é testemunho histórico da santidade do novo Mártir: “Três coisas admiramos e agradecemos no episcopado de dom Oscar A. Romero: foi, em primeiro lugar, anunciador da fé e mestre da verdade (...). Foi, em segundo lugar, um resoluto defensor da justiça (...). Em terceiro lugar, foi o amigo, o irmão, o defensor dos pobres e oprimidos, dos camponeses, dos operários, dos que vivem nos bairros marginalizados”...

Em consonância com a sadia tradição cristã, está aquela convicção que rezamos, inclusive na V Oração Eucarística proposta para o Congresso de Manaus: “santos são aqueles que sabem amar Cristo e seus irmãos”. Com seu testemunho de vida e de morte a serviço do Reino e dos Pobres, Dom Oscar Romero tornou-se naturalmente Santo. Esquecido e até escondido por setores da sociedade e da Igreja que defendem os mesmos interesses da mídia burguesa e elitista, Dom Romero continuou a ser venerado nos altares do seu Povo, de El Salvador, da América Central, da América Latina como o Santo dos Pobres das Causas Latino-americanas!

Por isso, acolhemos com grande alegria esta feliz referência de Bento XVI à pessoa de Dom Romero e à sua eventual beatificação que, mais do que reparação à Igreja da América Latina, é resgate da esperança e da vida dos Pobres do Continente que, sobrevivendo à exclusão e morte impostas, hoje, pelo capitalismo neoliberal, continuam ouvindo e seguindo confiantes, a voz do seu Pastor, Profeta, Mártir e Santo: “Se me matam, ressuscitarei na luta do meu povo”.

*Presbítero e assessor das CEBs da Arquidiocese de Juiz de Fora.

BENTO 16 E A GUERRA NA IGREJA

LEONARDO BOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

AS GUERRAS não existem apenas no mundo. Dentro da igreja há também uma guerra de baixa intensidade. Ela faz muitas vítimas, com os instrumentos adequados da guerra religiosa, escondidos sob palavras, não raro, piedosas e espirituais. Só para dar um exemplo pessoal: quando fui condenado pelo então cardeal Joseph Ratzinger em 1985 por causa do meu livro "Igreja: carisma e poder", foi-me imposto o que ele denominou de "silêncio obsequioso".
Esse eufemismo implicava muita violência: deposição de cátedra, remoção de editor religioso da Vozes, da redação da "Revista Eclesiástica Brasileira", proibição severa de falar, dar entrevistas, escrever e publicar sobre qualquer assunto.
Objetivamente "obsequioso" não possui nada de obsequioso.
O mesmo ocorreu com o teólogo da libertação Jon Sobrino, de El Salvador, condenado em fevereiro deste ano. Recebeu apenas uma "notificação". Esta inocente palavra, "notificatio", esconde violência porque ele não pode mais falar, nem dar aulas, conceder entrevistas e acompanhar qualquer trabalho pastoral. O vitimado por uma condenação é "moralmente" morto, pois vem colocado sob suspeita geral, tolhido, isolado e psicologicamente submetido a graves transtornos, o que levou a alguns a terem neuroses e a um deles, famoso, perseguido por idéias de suicídio.
Nós fomos, no mínimo, caçados e anulados, pois um teólogo possui apenas como instrumento de trabalho a palavra escrita e falada. E estas lhe foram seqüestradas, coisa que conhecemos das ditaduras militares.
O que foi escrito acima parece irrelevante, pois é algo pessoal, mas não deixa de ser ilustrativo da guerra religiosa vigente dentro da Igreja. Nela o então cardeal Ratzinger era general. Hoje como papa é o comandante em chefe. Qual é este embate? É importante referi-lo para entender palavras e advertências do papa e a partir de que modelo de teologia e de Igreja constrói o seu discurso.
Dito de uma forma simplificadora, mas real: há na igreja duas opções claramente opostas, o que não impede que, na prática, possam se entrelaçar. Face ao mundo, à cultura e à sociedade há a atitude de confronto ou de diálogo.
A partir da Reforma no século 16 predominou na Igreja Católica romana a atitude de confronto: primeiro com as Igrejas protestantes (evangélicas) e depois com a modernidade.
Face à Reforma houve excomunhões, e face à modernidade, anátemas e condenações de coisas que nos parecem até risíveis: contra a ciência, a democracia, os direitos humanos, a industrialização. A Igreja se havia transformado numa fortaleza contra as vagas de reformismo, secularismo, modernismo e relativismo. Missão da igreja, segundo esse modelo do confronto, é testemunhar as verdades eternas, anunciar a Cristo como o único Redentor da humanidade e a Igreja sua única e exclusiva mediadora, fora da qual não há salvação.
Em seu documento de 2000, Dominus Jesus, o cardeal Ratzinger reafirma tal visão com a máxima clareza e laivos de fundamentalismo. Tudo é centralizado no Cristo.
Esta atitude belicosa predominou até os anos 60 do século passado quando foi eleito um papa ancião, quase desconhecido, mas cheio de coração e bom senso, João 23. Seu propósito era passar do anátema ao diálogo. Quis escancarar as portas e janelas da Igreja para arejá-la. Considerava blasfêmia contra o Espírito Santo imaginar que os modernos só pensam erros e praticam o mal.
Há bondade no mundo, como há maldade na Igreja. Importa é dialogar, intercambiar e aprender um do outro. A Igreja que evangeliza deve ela mesma ser evangelizada por tudo aquilo que de bom, honesto, verdadeiro e sagrado puder ser identificado na história humana.
Deus mesmo chega sempre antes do missionário, pois o Espírito Criador sopra onde quiser e está sempre presente nas buscas humanas suscitando bondade, justiça, compaixão e amor em todos. A figura do Espírito ganha centralidade.
Fruto da opção pelo diálogo foi o Concílio Vaticano 2º (1962-1965), que representou um acerto de contas com a Reforma pelo ecumenismo e com a modernidade pelo mútuo reconhecimento e pela colaboração em vista de algo maior que a própria Igreja, uma humanidade mais dignificada e uma Terra mais cuidada.
Este "aggiornamento" trouxe grande vitalidade em toda a Igreja, especialmente na América Latina, que criou espaço para aquilo que se chamou de Igreja da base ou da libertação e da Teologia da Libertação. Mas acirrou também as frentes.
Grupos conservadores, especialmente incrustados na burocracia do Vaticano, conseguiram se articular e organizaram um movimento de restauração, de volta à grande tradição.
Este grupo foi enormemente reforçado sob João Paulo 2º, que vinha da resistência polonesa ao marxismo. Chamou como braço direito e principal conselheiro, seu amigo, o teólogo Joseph Ratzinger, elevando-o diretamente ao cardinalato e fazendo-o presidente da Congregação para a Doutrina da Fé, a ex-Inquisição.
Aí se processou de forma sistemática, vinda de cima, uma verdadeira Contra-Reforma Católica. O próprio cardeal Ratzinger no seu conhecido "Rapporto sulla fede", de 1985, um verdadeiro balanço da fé, dizia claramente: "A restauração que propiciamos busca um novo equilíbrio depois dos exageros e de uma abertura indiscriminada ao mundo".
Ele elaborou teologicamente a opção pelo confronto a partir de sua formação de base, o agostinismo, sobre o qual fez duas teses minuciosamente trabalhadas. Notoriamente Santo Agostinho opera um dualismo na visão do mundo e da Igreja. Por um lado está a cidade de Deus e por outro a cidade dos homens, por uma parte a natureza decaída e por outra, a graça sobrenatural.
O Adão decaído não pode redimir-se por si mesmo, seja pelo trabalho religioso e ético (heresia do pelagianismo) seja por seu empenho social e cultural. Precisa do Redentor. Ele se continua e se faz presente pela Igreja, sem a qual nada ganha altura sobrenatural e se salva. Em razão desta chave de leitura, o papa Bento 16 se confronta com a modernidade, vendo nela a arrogância do homem buscando sua emancipação por próprias forças. Por mais valores que ela possa apresentar, não são suficientes, pois não alcançam o nível sobrenatural, único caráter realmente emancipador. Nela vê mais que tudo secularismo, materialismo e relativismo. Essa é também sua dificuldade com a Teologia da Libertação. A libertação social, econômica e política que pretendemos, segundo ele, não é verdadeira libertação, porque não passa pela mediação do sobrenatural.
Para concluir, se o atual papa tivesse assumido uma teologia do Espírito, coisa ausente em sua produção teológica, teria uma leitura menos pessimista da modernidade. No atual momento se dá o forte embate entre essas duas opções. A Igreja latino-americana pende mais pela opção do diálogo. Esta é mais adequada à cultura brasileira que não é fundamentalista nem dogmática, mas profundamente relacional e dialogal com todas as correntes espirituais.
Somos naturalmente sincréticos na convicção de que em todos os caminhos espirituais há bondade para além dos desvios e que, definitivamente, tudo acaba em Deus. Não parece ser esta a opção de Bento 16: seus discursos enfatizam a construção da Igreja em sua forte identidade para que seu testemunho seja vigoroso e possa levar valores perenes a um mundo carente deles, como se viu claramente em seu discurso aos bispos brasileiros na catedral de São Paulo.
Essa Igreja é necessariamente de poucos, coisa reafirmada pelo teólogo Ratzinger em muitas de suas obras. Mas esses poucos devem ser santos, zelosos e comprometido com a missão de orientar e conduzir os muitos, sem se deixar contaminar por eles e pelo mundo. Ocorre que esses poucos nem sempre são bons. Haja vista os padres pedófilos. Por isso, a Igreja precisa renunciar a certa arrogância, ser mais humilde e confiar que o Espírito e o Cristo cósmico dirijam seus passos e os da humanidade por caminhos com sentido e vida.

16 de mai. de 2007

Missionário de Cristo: alguém capaz de amar

"Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que n'Ele nossos povos tenham vida". Esse é o lema da Quinta Conferencia Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, inaugurada pelo Papa Bento XVI.
A América Latina e o Caribe são 43 países e colônias com 558.595.318 pessoas. São centenas de povos, alguns milenares, como os quéchuas e os yanomamis. A América Central é hoje governada por partidos de direita (exceto o Panamá e Costa Rica) enquanto a América do Sul foi para a esquerda, excetuando a Colômbia, Paraguai e o Suriname. A América Latina passou do Consenso de Washington à recusa continental do neoliberalismo. A região investe 31 bilhões em mísseis antiaéreos, e paradoxalmente tem o maior índice de desigualdade entre ricos e pobres do planeta.
A Igreja Católica atende às culturas locais com estes recursos: 425.599.389 milhões de católicos, organizados e reunidos em 800 dioceses, 31.530 paróquias, 104.331 centros de evangelização, coordenados por 1201 bispos, 66.684 sacerdotes, 10.302 diáconos permanentes, 5.484 irmãos, 129.813 freiras e 1.350.495 catequistas.
Os dados sobre a pertença religiosa mostram uma grande diversidade. Vejamos os números do continente: católicos: 425.599.389 (76%); Muçulmanos: 4.450.000 (0,8%); hinduístas: 1.327.000 (0,2%); budistas: 2.701.000 (0,5%); judeus: 6.024.000 (1,14%); espíritas: 151.000 (0,03%); xintoístas: 56.000 (0,01%); ateus e não-religiosos: 30.153.000 (5,7%); outras religiões: 596.000 (0,1%); cristãos de fronteira: 10.531.000 (1,9%) como Mórmons, Testemunhas de Jeová e Adventistas; protestantes e pentecostais: 49.549.200 (9,42%) basicamente no Brasil, Bolívia e Guatemala.
O Cardeal Aloísio Lorscheider nos recorda que se a primeira Conferência Geral foi guardada pela idéia-chave da defesa da fé e das vocações, a segunda o foi pela idéia da libertação, a terceira pela comunhão e participação e a quarta pela inculturação. Nesta quinta Conferência a Igreja Católica não poderá trair os pobres. Deve testemunhar a fé dos mártires, como d. Oscar Romero assassinado em 1980, após sua volta do encontro de Puebla. Ele sela com sangue o que assinara no documento do episcopado. Será preciso manter a tradição magisterial destes encontros continentais. A missão da Igreja não pode ser cristalizada no passado. É preciso transmitir o legado e atualizá-lo. Cultivar sementes, atentos aos novos sinais dos tempos, para acompanhar a 'floresta que cresce' pela graça de Deus.
Que vinhas podar para o melhor vinho degustar?
- Assumir uma visão mais global da teologia do Espírito cultivando a profundidade mística;
- Assumir os pobres, os jovens, as mulheres e os migrantes como protagonistas da fé.
- Valorizar a Igreja Povo de Deus, bebendo das fontes da revelação abertos ao ecumenismo,
- Priorizar o missionário leigo no mundo urbano.
- Condenar a corrida armamentista e o imperialismo norte-americano como fracassos civilizatórios.
- Viver a sapiencial lição das Irmãzinhas de Jesus de Charles de Foucauld, que vieram da França ao Araguaia para ser 'tapirapé com os tapirapés', mudando a prática missionária ao acompanhar a doce aventura do 'renascer de um povo'.
É preciso propor um perfil alegre do missionário como aquele desenhado pelo padre Louis-Joseph Lebret: "Eis o perfil de um missionário de Cristo Jesus: alguém capaz de amar e ter consciência desse amor".
Fernando Altemeyer Junior
Teólogo, doutor em ciências sociais e Ouvidor da PUC-SP

15 de mai. de 2007

Papa reafirma opção preferencial pelos pobres

"A opção pelos pobres está implícita na fé cristã naquela em que Deus se fez pobre por nós, para que nós enriquecêssemos com sua pobreza", disse o Papa aos bispos da América Latina e do Caribe. A afirmação não veio no parágrafo destinado aos problemas sociais do continente, ma sim naquele que trata da primazia da fé em Cristo. Dessa forma, ele não só respaldou o caminho da Igreja na América Latina, como também lhe conferiu o status teológico correspondente.
O discurso é de uma enorme riqueza e transcendência. Não encontramos palavras de condenação à reflexão teológica do continente, esperada por alguns, mas sim uma sólida reflexão e um chamado a responder aos desafios atuais a fé na América Latina, que são dois: "o desenvolvimento harmônico da sociedade e a identidade católica de seus povos".
Dando continuidade as cinco conferências, Bento XVI constata que desde São Domingo, em 1992, muitas coisas mudaram: a globalização, em certos aspectos positiva, mas com o risco dos grandes monopólios e da conversão do lucro no valor supremo;"a evolução em direção à democracia e o perigo do autoritarismo, a economia liberal que causa que "sigam aumentando os setores sociais que se vêem postos à prova cada vez mais a uma enorme pobreza ou mesmo perdendo seus bens naturais". Também se refere à situação da fé mais madura em muitos leigos, mas debilitada na sociedade. Tudo isto exige "uma renovação e uma revitalização" da fé em Cristo para "viver de maneira responsável e alegre de fé e irradia-la ao próprio ambiente.
O trecho seguinte do discurso está dedicado à fé em Cristo, que não é "uma fuga em direção ao intimismo, ao individualismo religioso", já que todos os sistemas religiosos que colocam Deus isolado fracassam na solução dos problemas sociais, políticos e econômicos. Por meio te suas palavras sobre a opção pelos pobres, o Papa trata de como conhecer Cristo: a resposta é a "rocha da Palavra de Deus", e a catequese, que deve intensificar-se, que compreende também uma "catequese social" que forme a doutrina social da Igreja. "É preciso recordar que a evangelização sempre esteve unida à promoção humana e à autêntica libertação cristã", disse o Papa.
A seguir ele afirma que "os povos latino-americanos e caribenhos têm direito a uma vida plena, própria dos filhos de Deus, com condições mais humanas: livres das ameaças da fome e da violência. Para estes povos, seus pastores têm de fomentar uma cultura de vida que permita, como dizia meu predecessor Paulo VI, 'passar da miséria à posse do necessário'", disse citando a conhecida passagem de Populorum Progressio, que "convida todos a superar as graves desigualdades sociais e as enormes diferenças de acesso aos bens".
Neste contexto que fala da Eucaristia, que permite descobrir Cristo como "o Vivo que caminha a nosso lado e nos mostra o sentido dos acontecimentos, da dor e da morte, da alegria e da festa". "O encontro com Cristo na Eucaristia suscita o compromisso da evangelização e o impulso à solidariedade; desperta no cristão o forte desejo de anunciar o Evangelho e de testemunhá-lo na sociedade para que esta seja mais justa e humana". Como vemos, é esta integralidade a que constitui a vida cristã para Bento XVI, e não se pode portanto reduzir a tarefa da Igreja somente ao "religioso" em sentido estreito; aqueles que agem dessa forma não são fiéis à doutrina católica.
Vem então uma pergunta central: como a Igreja pode contribuir para a solução dos urgentes problemas sociais e políticos, e responder ao grande desafio da probreza e da miséria? A questão fundamental sobre o modo como a Igreja, iluminada pela fé em Cristo, deve reagir a todos estes desafios, concerne a nós todos". Como vemos, não está em questão se a Igreja deve ou não contribuir, mas sim como deve faze-lo. Não se pode responder a esta questão apenas com atividades de ajuda ou assistência, pois, como disse Bento XVI, "neste contexto é inevitável falar do problemas das estruturas, sobretudo das que criam injustiça. Na verdade, as estruturas justas são uma condição sem a qual não é possível uma ordem justa na sociedade".
Aqui vem à tona uma posição muito importante que citamos extensamente: "tanto o Capitalismo quanto o Marxismo prometeram encontrar o caminho para a criação de estruturas justas... E esta promessa ideológica se mostrou falsa. Os fatos o põem de manifesto. O sistema marxista, onde governou, não só deixou uma triste herança de destruições econômicas e ecológicas, como também uma dolorosa opressão das almas. E o mesmo vemos também no Ocidente, onde cresce constantemente a distância entre pobres e ricos e se produz uma inquietante degradação da dignidade pessoal com a droga, o álcool e as sutis miragens de felicidade".
Logo insiste que estas estruturas justas requerem um consenso na sociedade que só por partir de valores éticos e que a reforce. Retornando a um de seus temas preferidos, disse que "onde Deus está ausente - o Deus de rosto humano, Jesus Cristo - estes valores não se mostram com toda a sua força, nem se produz um consenso sobre eles".
Acrescenta ricas observações sobre o modo de usar racionalmente este consenso sobre a "o bom exercício dos leigos - inclusive com a pluralidade das posições políticas - essencial na tradição cristã autêntica", e explica que "o trabalho político não é de competência imediata da Igreja". "A Igreja é advogada da Justiça e dos pobres, precisamente por não se identificar com os políticos nem com os interesses partidários. Apenas sendo independente por mostrar os grandes critérios e os valores inderrogáveis, orientar as consciências e oferecer uma segunda opção de vida que vá além do âmbito político. Formar as consciências, ser advogada da Justiça e da Verdade, educar nas virtudes individuais e políticas, é a vocação fundamental da Igreja neste setor". E menciona a responsabilidade dos leigos na vida pública: "devem estar presentes na formação dos consensos necessários e na oposição contra as injustiças", disse, conclamando mais vozes e iniciativas de leigos católicos no âmbito político, comunicativo e universitário.
Fonte: Informativo CRP, CNR, IBC

Habemus Papam?

Allan Mahet
A primeira visita de Bento XVI ao Brasil veio cercada de polêmica. Em muito devido ao tema do aborto que cada vez mais ganha as páginas dos jornais e as pautas políticas. Fora isso chamou atenção a primeira canonização realizada fora dos limites do Vaticano, em um momento propício para a renovação de fé católica no Brasil que parou de perder espaço para as religiões protestantes.
Além dos pronunciamentos e encontros, Bento XVI em seu ultimo dia em solo brasileiro promoveu a abertura da V Conferência Episcopal da América Latina e Caribe. Sua presença, tão providencial quanto à 'santificação' de Frei Galvão em solo brasileiro, a que tudo indica, irá ditar os rumos das resoluções que serão promovidas no encontro e que nortearão a atuação da Igreja na região pelos próximos dez ou vinte anos.
Vive-se na América Latina nos últimos anos uma efervescência da esquerda - se legítima ou não é outro assunto - da qual poucas vezes em nossa recente história podemos ver. É justamente esse furor vermelho que incomoda 'Roma'.
Em 1958, quando as sublevações se indicavam ao redor do mundo, João XXIII, de papado transitório a princípio, promoveu drásticas mudanças na Igreja, a aproximando de seus fiéis, descentralizando o poder papal e abrindo as portas do Palácio de São Pedro ao povo. Ou quase isso. Antes da conclusão dos trabalhos do primeiro Concílio em quase cem anos, convocado por ele, o carismático e inovador Papa morreu, o que veio a comprometer os documentos finais do encontro mundial.
Contudo, os ecos promovidos pelo Concílio Vaticano II atravessaram o oceano e atracaram em terras tropicais. Em 1968, a II Conferência Episcopal da América Latina e Caribe, em Medellín deu o que podemos considerar o passo mais à esquerda que a Igreja (ou parte dela) tinha visto em dois milênios. As ditaduras pululavam como pragas em todo o continente e na visão dos bispos latino-americanos a Igreja não poderia se omitir. E assim como Jesus que escolheu ficar do lado dos miseráveis e oprimidos, a Igreja do Terceiro Mundo fez sua opção pelos pobres, seja através das lutas populares, seja pela conscientização da população sobre seus direitos.
Na Conferência de Puebla (1979) essa posição é reafirmada: a necessidade de uma tomada de posição frente à desumana realidade Latino-Americana.
Alguns setores da Igreja realmente procuram assumir esse papel e a partir do discurso de Medellín e Puebla se aventuraram na busca de uma práxis cristã alinhada com a defesa do povo e pela liberdade. Nasce assim a Teologia da Libertação. Com ela a Igreja ganha um papel fundamental na luta de classes, trabalhando em prol da transformação da ordem societária e se posicionando contra a opressão dos pobres pelos ricos. A promoção dos ideais libertários avançou em largos passos em um continente assolado pela opressão direitista de seus generais. Seus líderes combateram o massacre promovido pelos governantes latinos e por isso foram perseguidos, torturados, mortos (até pelas costas como Padre Jozimo), mas sedimentaram em nosso solo uma teologia na qual Cristo se mostra como um revolucionário, um transformador, que desce da cruz e ao lado dos pobres encara o seu algoz. E 'sua' igreja deveria cumprir esse papel. Uma igreja dos pobres (como Jesus) e para os pobres (como seu rebanho).
Obviamente esse posicionamento radicalmente 'humano' e progressista não ressoou agradavelmente nos corredores palacianos do clérigo romano que não mais contava com a presença do bonachão João XXIII. Como poderia uma organização que se esbanja em ouro e investe em bolsas de valores pelo mundo ir de encontro ao sistema capitalista? Como ficaria a imagem dessa instituição perante as potências mundiais que exploram o terceiro mundo? O medo da investida revolucionária em seu interior fez o Vaticano adotar medidas drásticas. Bispos foram transferidos de suas dioceses, reprimiu-se a atuação de padres em organizações populares, promoveram ameaças de excomunhão e impuseram o silêncio obsequioso a Leonardo Boff (ainda frei) nome máximo da Igreja da Libertação no Brasil, em um processo conduzido pelo ainda cardeal Ratzinger, presidente do novo tribunal da Santa Inquisição.
Assim a TL, reprimida, enfraqueceu e se restringiu aos círculos das Comunidades Eclesiais de Base.
O carismático João Paulo II com sua pesada mão tratou de suprimir a mais recente tentativa da TL se reerguer em sua última visita em solo tupiniquim e mais uma vez o conservadorismo falou mais alto e o povo católico da América Latina retornou ao seu papel de subserviente a Deus, à Igreja, ao Papa, aos grupos dominantes e suas leis. Os leigos retornaram ao degrau mais baixo do altar, afastando-se de Cristo, Jesus. Esta sombra que pairava sobre a Igreja dos bilhões de fiéis se enegreceu no último Conclave no qual a ala mais conservadora se fez novamente presente elegendo o mesmo Ratzinger, que calou Boff, ao posto (cargo) mais alto da Igreja de Roma.
É com a rigidez na defesa dos dogmas milenares (e outros nem tão antigos assim) que o `novo' Papa deu início aos trabalhos de Aparecida. Sua postura monolítica refrata qualquer discurso mais progressista. A crítica ao Marxismo é um aviso claro e sonoro aos religiosos e leigos que vivem na luta. O terror que provocou aos defensores da Igreja libertadora permanece vivo na memória de todo o Clero e são os sustentáculos para a contenção de uma reedição de Medellín e Puebla. A opção preferencial pelos pobres continua marcando a linha orientadora da Igreja na região, mas a luta permanecerá relegada a favor da benesse e da caridade. Nada mais conservador do que a consentimento pela doação. Ao clamar pela independência da Igreja com relação às ideologias políticas limita a defesa dos espoliados à evangelização. Nada mais conservador do que fugir à luta.

14 de mai. de 2007

Vida e morte da Teologia da Libertação

Os teólogos da América Latina e Caribe assumiram a chave interpretativa proposta por Simone Weil: "a plenitude do amor ao próximo é simplesmente ser capaz de perguntar: qual a tua aflição?". A Teologia da Libertação quer pensar a fé cristã respondendo às perguntas dos aflitos. A Teologia da Libertação continua viva ao preocupar-se com os novos pobres do continente e assumir-se como uma teologia da compaixão.

Uma primeira Instrução Vaticana condenara, em 1984, o uso do marxismo na teologia católica e muitos disseram que fora a certidão de óbito dessa teologia. Uma carta do papa João Paulo II dirigida ao episcopado brasileiro, de 9 de abril de 1986, pede, entretanto, que não se abandone a tarefa necessária desse fazer teológico: "...estamos convencidos, nós e os senhores, de que a Teologia da Libertação é não só oportuna, mas útil e necessária. Ela deve constituir uma nova etapa - em estreita conexão com as anteriores - daquela reflexão teológica iniciada com a tradição apostólica e continuada com os grandes padres e doutores, com o magistério ordinário e extraordinário e, na época mais recente, com o rico patrimônio da doutrina social da Igreja expressa em documentos que vão da Rerum Novarum a Laborem Exercens". E insiste: "Os pobres deste país, que tem nos senhores os seus pastores, os pobres deste continente são os primeiros a sentir urgente necessidade deste evangelho da libertação radical e integral. Sonegá-lo seria defraudá-los e desiludi-los".

A certeza básica de qualquer teólogo "é a de que só é teologia aquela reflexão sobre a fé em que o ‘lumen fidei’ da revelação divina é o princípio último e o critério da verdade (padre Félix Pastor, sj)". O teólogo é movido pela palavra de Deus. Produz teologia sob o manto do Espírito de Deus na rigorosa disciplina mental auscultando os desígnios de Deus e confrontando-os com a realidade. A Teologia da Libertação não morreu, pois é um caminho místico: "Aquilo mesmo mediante o qual a teologia é ciência é aquilo pelo qual ela é mística (Marie-Dominique Chenu)".

Essa escola espiritual é feita de larga tradição de muitos patriarcas e matriarcas: Bartolomeu de las Casas, São Pedro Claver, São Martinho de Lima, Francisco Solano, Toribio de Mongrovejo, Santa Rosa de Lima, Santo Antonio Maria Claret, José Antônio Pereira Ibiapina, Juventude Universitária Católica, Comunidades Eclesiais de Base, Paulo Freire, Candido Padim, Richard Shaull, Rubem Alves, Hugo Assmann, Leonardo Boff, Carlos Mesters, Clodovis Boff, João Batista Libanio, Jurgen Moltmann, Johan Baptist Metz, Karl Rahner, Edward Schillebeckx, Jean-Yves Congar, Fernando Gomes, Manuel Larrain, Ivone Gebara, Milton Schwantes, Orestes Stragliotto, Frei Betto, Elza Tamez, Antonio Cecchin, Ronaldo Munhoz, Raul Vidales, Enrique Dussel, Franz Hinkelammert, Enrique Angelelli e Gustavo Gutiérrez entre tantos outros.
E neste largo peregrinar da fé dos pequeninos assume os versos de Drummond: "Como vencer o oceano se é livre a navegação, mas proibido fazer barcos?". A tarefa da teologia é produzir remos para que o barco da Igreja se lance ao mar e, submetida ao Espírito Santo, acuda os náufragos que confiam suas frágeis existências àqueles que conduzem os instrumentos de salvação guiados pelo Pai de Jesus Cristo.

Testemunhas fiéis dessa ação de amor preferencial aos pobres são os mártires que tombaram na luta contra a injustiça. São os filhos amados da Igreja que oferecem o óbolo de suas vidas: Santo Dias da Silva, Adelaide Molinari, Cleusa Nascimento, Dorothy Stang, Josimo Moraes Tavares, Ezequiel Ramin, Rodolpho Lunkenbein, João Bosco Penido Burnier, Oscar Romero, Enrique Angelelli, Antonio Pereira Neto, Francisco de Pancas, Purinha de Linhares, Paulo Vinhas de Vitória, Verino Sossai de Nova Venécia e Gabriel Felix Roger Maire. Leigas, religiosas e sacerdotes que sofrem perseguição ao viver na carne o amor aos aflitos. Há hoje quem censure bispos como d. Luciano Mendes de Almeida, d. Ivo Lorscheiter, d. Adriano Hypolito, d. Pedro Casaldáliga e o próprio cardeal Paulo Evaristo Arns por misturarem o vinho forte da sabedoria de Deus com a água do compromisso social. Eis a resposta de Santo Tomás: "Para o teólogo que faz bem seu trabalho, o vinho não é enfraquecido com a água, é antes a água que se transforma em vinho". Ou parafraseando Blaise Pascal: "Todas as teologias não valem um gesto autêntico de solidariedade com os pequeninos".
Fernando Altemeyer Júnior
Professor e Ouvidor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(Publicado em:O Estado de S.Paulo - Seção: Especial - 09/05/07)

Teologia da conciliação?

Entrevista com João Batista Libânio
Na sexta-feira, Bento XVI foi duro com os bispos brasileiros em encontrona Catedral de São Paulo. Cobrou engajamento - não o político, mas o evangelizador. Com o povo nas ruas, contudo, foi sorridente e descontraído. Um papa bem diferente do cardeal doutrinário que pordécadas deu ordens no Vaticano. "Ele se humanizou no Brasil", arrisca o teólogo João Batista Libânio, como quem identifica um certo sotaque afetivo dos alemães da Baviera, terra natal do papa. "Ele, que sempreescreveu sobre o amor, experimenta por aqui aquilo sobre o qual fala emtermos teóricos."
Padre Libânio, jesuíta de Belo Horizonte, é um dos principais representantes da Teologia da Libertação no Brasil. E decidiu não ir aosantuário de Aparecida, para a V Conferência Episcopal da América Latinae Caribe (Celam), aberta hoje por Bento XVI. Não foi Libânio, nem o ex-franciscano Leonardo Boff, nem o peruano Gustavo Gutierrez, da ordem de São Domingos - trinca de peso da teologia que combina fé e política em opção preferencial pelos pobres, como ficou combinado na Celam de Medellín, Colômbia, em 1968. Uma ausência combinada? "Questão desensibilidade", despista Libânio.
Nesta entrevista a Pedro Doria e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 13-05-2007, o jesuíta reconhece que religiosos identificados com a Teologia da Libertação têm procurado evitar confrontos com o papanesses dias. Seria arriscado e contraproducente. Chega a admitir que aquela igreja militante dos anos 60 não existe mais e que os carismáticos, sob certo aspecto, fazem trazem alguma alegria ao rebanho católico. "Só lutar, lutar, assim ninguém agüenta". E, aos que temem o pulso de ferro do velho Ratzinger, um palpite de Libânio, autor de mais de 90 livros sobre religião e igreja: pode haver mais avanços teológicos na era de Bento XVI do que na de João Paulo II. Porque o polonês mandava calar. Já o alemão aprecia um bom argumento.
Eis a entrevista.
Qual o impacto produzido pelo Brasil em Bento XVI?
Bento XVI é alemão do sul, bávaro, eles são mais afetivos que os prussianos, embora retraídos. Em seu país, é cafona demonstrar afetividade, mas no Brasil, não. Em São Paulo, ele ficou aparecendo toda hora na sacada, interrompendo seus estudos. Sorriu. Sentiu-se à vontade para demonstrar afeto, o que gera uma reação das pessoas ao seu redor e cria um ciclo. Quanto mais se expande, maior o retorno. O papa foi humanizado, no Brasil. Ele tem escrito muito sobre o amor. Há dentro dele um desejo muito grande de provar que o amor purifica. E aqui, pela primeira vez, ele demonstrou fisicamente aquilo sobre o qual escreveu teoricamente.
Que o balanço faz dessa visita?
Ele veio cobrar dos cristãos uma postura mais missionária. Bento XVI tem uma visão muito crítica, em certos pontos correta, da modernidade. Há uma crise de valores que afeta o conceito de vida, de relações humanas, de respeito à realidade segundo o projeto de Deus. Ele pede que os cristãos se levantem contra valores anti-cristãos. A sociedade está hedonista, materialista, consumista, trata a vida com muito desprezo.
E o que o senhor espera da conferência em Aparecida?
Ela fará a convocação para que os católicos sejam menos tímidos, afinal, convenhamos: é bonita a maneira como os evangélicos não têm vergonha dedeclarar sua religião. O sucesso do encontro se dará pela capacidade de exprimir este conceito numa frase forte. Quando falamos da Celam deMedellín, em 1968, lembramos da "opção preferencial pelos pobres". Ninguém lê os documentos produzidos. Mas as frases fortes ficam.
O papa quer católicos mais ativos?
Sim, a partir da fé e dos valores cristãos. Não apenas a partir de uma ideologia, de um partido, de compromissos meramente éticos. O papa acha que sem uma contribuição explícita da fé cristã, até a percepção ética teria dificuldade de se contrapor aos valores dominantes. O segundo ponto importante é que Bento XVI não pretende contrapor-se ao crescimento dos evangélicos. Ele espera que a resposta a esse fenômeno venha de dentro da Igreja, uma Igreja mais fiel, mais coerente. Como bom acadêmico alemão, ele não está preocupado em conquistar fiéis, que é o método dos evangélicos. Ele pretende atraí-los com uma Igreja que tenha uma vida interna atraente, fiel aos preceitos, à doutrina. O terceiro viés é ressaltar que o lado social, o cuidado com os pobres e com os marginalizados, também importante. O que Bento XVI talvez tenha é dificuldade de enxergar pelo prisma da Teologia da Libertação.
Por quê?
Bento XVI propõe primeiro trabalhar os valores, cuidar para que o indivíduo tenha uma sólida formação religiosa e, com esta bagagem, aproximar-se da realidade. Pela Teologia da Libertação, primeiro vou compreender a realidade. Vou recorrer aos meios sociológicos, psicológicos, políticos e, conhecendo bem a realidade, procuro saber que perguntas ela faz à minha fé. Bento XVI busca aplicar sua fé à realidade. Nós, da Teologia da Libertação, preferimos primeiro auscultar a realidade, compreender a pobreza, as suas causas. Nunca diríamos, como diz o papa, que Cristo é a solução para a violência. Antes tentamos veras causas da violência: a miséria, as drogas. Sem levantar as causas sócio-político-econômicas, achamos difícil dizer uma palavra de fé. Para o papa, esta palavra de fé já é tão clara que sequer é preciso fazer umaanálise para apresentar uma solução aos problemas reais.
Cresce a preocupação com o aborto na hierarquia da Igreja católica, especialmente após o processo de legalização de Portugal e no México. O quanto o tema é prioritário na agenda da igreja brasileira?
Pode ser que ele se imponha agora, mas não era prioritário. Para o conjunto da Igreja do Brasil, a prioridade ainda é a situação de injustiça pela qual tantas pessoas morrem. Situação que inclusive leva a muitos abortos, motivados pela extrema pobreza. Não é aborto sofisticado, é aborto provocado pela miséria, sob condições as piores possíveis. A pobreza e a miséria são problemas muito mais graves. Não adianta ir no efeito se não toco a causa. Não adianta ter uma escola secundária na qual as adolescentes recebem informação inadequada sobre sexo. Aí engravidam, fazem abortos. Mas, e antes disso? Isolar o problema do aborto em meio a tantas causas que levam a ele não é uma maneira objetiva de enxergar a realidade.
O senhor diria que, para ter apoio do Vaticano nas questões sociais e ambientais, a CNBB vai incorporar o discurso do papa no campo moral?
Um analista político pode fazer este tipo de leitura, mas a política interna da Igreja caminha de outra forma. Para o nosso episcopado, o pensar do papa é palavra final. O católico mais crítico até tem liberdade de questionar, mas para o católico médio e sobretudo para o bispo, que promete obediência especial, é preciso seguir o papa, independe de qualquer estratégia de aproximação com Roma. Pouquíssimos bispos se dão liberdades perante posições do Vaticano. Quando o fazem, jamais é em público. Lembro que na Celam de Puebla, em 1979, a opção seria pelos pobres. O papa falou que deveria ser a juventude, e lá entrou: "opção preferencial pelos jovens". É a estrutura interna da Igreja Católica. Quanto mais a Igreja se confronta com as outras igrejas cristãs, mais ela se distingue justamente pela existência do papa. Agora, a Igreja da América Latina não vai modificar a preocupação social.
Com base em que o senhor faz tal afirmação?
Aqui, a Igreja tem tradição de engajamento. É verdade que agora, influenciada pelos evangélicos, existe também esta Igreja mais carismática. Por um lado é bom, dá alegria para a vida, alivia sofrimentos. Só luta, luta, ninguém agüenta. Existe um cansaço mundial com aquele militantismo da década de 1960. A cultura pós-moderna trouxe desenvolvimento tecnológico, recursos econômicos, as pessoas viajam mais, têm mais bens, há mais música, os jovens estão mais bonitos, com brincos, com gel, há mais alegria... Isso afeta a cultura. Só não podemos esquecer o compromisso com a Justiça. A Igreja latino-americana vai continuar lutando, mas o mundo é outro.
Quer dizer: as restrições do papa no que diz respeito à Teologia daLibertação não existirão na prática?
Podem surgir embates. Se os deputados começarem a falar de descriminalização do aborto, a Igreja vai se levantar. Aborto é uma questão delicada e difícil de tratar com a grande massa sem correr o risco da simplificação. Dou um exemplo. Se eu me questiono a respeito, direi que sou contra fazer aborto. Mas outra coisa é o Estado abrir o debate, já que abortos inseguros existem em quantidade, e aí nós nos perguntarmos qual seria o mal menor? Preferimos que aconteça no fundo dos quintais ou em hospitais? Devemos discutir as duas perguntas separadamente. O aborto é uma questão ética, não da Igreja. A Igreja entra conforme possa contribuir para a discussão ética. Veja que o papa fala de respeito à vida, que é uma maneira muito sutil de entrar na questão. João Paulo II era mais enfático. Bento XVI busca as sutilezas.
Quanto à obediência plena ao papa: os bispos não ganharam independência a partir do Concílio do Vaticano II? Houve retrocesso?
O problema se coloca no Concílio do Vaticano I, de 1870, com Pio IX, quando é definido o primado do papa. É quando ele ganha poder sobre as dioceses do mundo inteiro e há um reforço do poder central. O VaticanoII procurou diminuir um pouco este centralismo, apelando para a colegialidade, implementada através dos sínodos que acontecem de tempos em tempos em Roma. Mas trata-se de um órgão apenas consultivo. O papa faz o que quer.
Ao que parece, os nomes mais ligados à Teologia da Libertação estarão ausentes na Celam. Por quê?
Não houve proibição. Acontece que nossa presença pode provocar reações e não teremos espaço para contribuir. É uma questão de sensibilidade. Serei mineiro: é melhor que não nos exponhamos. Não é o momento.
O Vaticano quer calar as tensões internas da Igreja na América Latina?
Acho que este papa não vai na linha do calar autoritário, não. Se ele pretender calar, vai fazê-lo usando a razão. A lógica. Ele argumenta com razão e fé. Quer mostrar que nosso movimento se equivocou em algumas coisas, a própria história o mostrou, então Bento XVI não precisa calar ninguém. Estamos distantes da época dos anos 1980. Ele está se virando para dizer, "se você escreve isso, não vou calar você, mas as suas razões não são boas".
Ao criticar a modernidade, o papa recusa o mundo como é para fixar-se numa volta ao passado?
Ele tenta dizer é que a modernidade tem elementos do cristianismo: direitos humanos, direitos da mulher, isso vem de Jesus. O papa é extremamente moderno, não é TFP. Ele luta é contra a modernidade que nega sua origem cristã.
Mas, ele recusará mudanças?
Este pontificado ainda é muito novo para que levantemos tal conjectura. João Paulo II intuiu que vivíamos um período de intensa transformação. Então, fez gestos de abertura em encontros ecumênicos e inter-religiosos. Mas não permitiu uma transformação interna da Igreja, pois temia o dilaceramento. Foi até severo. Teve momentos de audácia, como o de pedir perdão pela maneira como foi evangelizada a América Latina, pela Inquisição etc. Quebrou aquela pureza batismal de que aIgreja não errava. Sendo assim, quem vai negar a possibilidade de pedirmos perdão amanhã por erros de hoje?
O pontífice quis um encontro à parte com D. Paulo Evaristo Arns, que defendeu o ex-frei Leonardo Boff em Roma, nos anos 80. Há algum significado nisto?
Foi um gesto de benevolência. Há uma tradição em Roma que o papa sempre visita cardeais quando estão debilitados. E D. Paulo é um homem de grande mérito para a Igreja. Eu interpretaria nesta direção.
Que marcas o senhor acha que esta visita deixará em Bento XVI?
Ele elogia muito a vitalidade da Igreja da América Latina. E deve sentir um contraste muito grande com a igreja do país dele, que está morrendo. Por mais erros que tenhamos cometido, Bento XVI não pode considerar nossa Igreja perdida. É uma Igreja viva. Uma acusação que se fazia àTeologia da Libertação era a de que teria sido uma das causas da evasão de fiéis. Mas, se observarmos as estatísticas, a Igreja que mais perdeu fiéis foi a do Rio de Janeiro, liderada por um conservador do porte de D. Eugênio Sales.
A Igreja ainda se incomoda com a laicização dos Estados?
Já se incomodou mais. Hoje muitos consideram até uma bênção, porque aIgreja ficou mais livre. Existem até bispos que acham que ela deveria abrir mão até do Vaticano. Conta-se que, certa vez, d. Hélder Câmara perguntou a Paulo VI se poderia oferecer-lhe dois conselhos. Primeiro: que o papa deixasse o Vaticano e fosse morar na sacristia de uma igrejinha, deixando toda aquela riqueza para a Unesco. Segundo: que reunisse todos os núncios, agradecesse pelos serviços prestados e os dispensasse todos. O papa achou graça, riu, mas não fez nada, evidentemente. Mas seria como voltar à Igreja de Pedro e Paulo, que nada tinha.

Dom Paulo Evaristo, Cardeal Arns entrega carta dos povos indígenas ao Papa Bento XVI

O cardeal Dom Paulo Evaristo Arns entregou, durante sua audiência com o Papa Bento XVI, no Mosteiro de São Bento, em São Paulo, uma carta da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). A audiência foi realizada na tarde da quinta-feira.
A carta fala da resistência dos povos a perseguições, invasões de territórios, assassinatos, epidemias e esterilização de mulheres indígenas, "num verdadeiro processo de genocídio". Mas diz que, pela sua força e resistência, os povos indígenas voltaram a crescer. "Sempre mantivemos a luta pacífica e persistente por nossos direitos históricos e sempre contamos, nesta luta, com o apoio solidário da Igreja, de inúmeros missionários e missionárias em todo o país”.
O documento cobra "pressa” na demarcação de terras - ainda falta a regularização de 61,76% delas. E questiona "a ênfase exagerada que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem dando à realização do PAC - Programa de Aceleração do Crescimento. Não somos contra o crescimento econômico do país, só não aceitamos que este seja feito com o atropelo de nossas comunidades; de nossos territórios; de nossos rios e de nossas matas;da integridade física e cultural de nossos povos"
Fazem parte da Apib organizações como a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), que reúne mais de uma centena de organizações de povos amazônicos, a Apoinme (Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo), a Arpin-Sul (Articulação dos Povos Indígenas do Sul), que congrega populações indígenas da região Sul do Brasil.
Contatos:
Edilson Melgueiro - Coiab - (61) 8167 6331
Priscila Carvalho - Cimi (assessoria de imprensa)- (61) 9979 6912

Veja a íntegra da carta:

A Sua Santidade
Papa Bento XVI
Vossa Santidade,
Nós, representantes dos Povos Indígenas no Brasil, desejamos expressar nossas boas-vindas a Vossa Santidade, em vossa visita às terras brasileiras, tradicionalmente ocupadas por nós, seus antigos habitantes. Queremos também transmitir-vos um pouco de nossa realidade, dos sofrimentos e esperanças de nossas comunidades.
Como deve ser de vosso conhecimento, os Povos Indígenas no Brasil quase chegaram ao extermínio completo ao longo do século XX, tantas foram as perseguições; invasões de territórios; assassinatos; epidemias; esterilização de mulheres indígenas e métodos contraceptivos aplicados pelos governos; abandono e desestruturação de nossas comunidades, num verdadeiro processo de genocídio. No entanto, sempre mantivemos a luta pacífica e persistente por nossos direitos históricos e sempre contamos, nesta luta, com o apoio solidário da Igreja, de inúmeros missionários e missionárias em todo o país.
Conquistamos o reconhecimento de nossos direitos pela Constituição Federal de 1988, passamos então a ter perspectivas de viver conforme nossas culturas e modos de ser e viver em sociedade, voltamos a crescer e somos hoje 241 povos indígenas, falando 180 línguas, cerca de 734 mil pessoas, nas aldeias do interior e nas cidades do Brasil.
Apesar de todas essas conquistas, nossas comunidades ainda sofrem muito com a falta de terra para viver; com as múltiplas formas de violência que se abatem sobre elas por parte dos invasores; com os tristes e freqüentes casos de suicídio de adultos, de jovens e até de crianças; com a mortalidade infantil por doenças e desnutrição; com a dificuldade em serem escutadas e terem seus direitos respeitados pelo Estado Nacional e pela sociedade envolvente.
O assassinato de nossas lideranças continua sendo uma prática dos invasores de nossas terras. Somente nos últimos dez anos, 257 lideranças indígenas foram assassinadas por defender seus territórios. Dentre elas, inclui-se o cacique Xicão Xukuru, que no ano de 1991 foi recebido pelo papa João Paulo II, em sua segunda viagem ao Brasil. Na ocasião Xicão já informava a sua Santidade que era um dos indígenas marcados para morrer. Destino semelhante já havia tido o nosso grande líder Marçal de Souza Tupã-Y, cacique do povo Guarani, que também conversou com papa João Paulo II, ainda em sua primeira viagem ao nosso país, no ano de 1980.
Nos dias que correm, nos preocupa principalmente a ênfase exagerada que o governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva vem dando à realização do PAC - Programa de Aceleração do Crescimento. Não somos contra o crescimento econômico do país, só não aceitamos que este seja feito com o atropelo de nossas comunidades; de nossos territórios; de nossos rios e de nossas matas; da integridade física e cultural de nossos povos. E é essa mesma integridade que está em risco em diversos projetos econômicos que integram o PAC, como a transposição do Rio São Francisco, no nordeste brasileiro, a construção das usinas hidrelétricas do Estreito, no Rio Tocantins, de Belo Monte, no estado do Pará, e do Rio Madeira, no estado de Rondônia.
Por outro lado, o presidente do Brasil não demonstra pressa alguma em demarcar nossas terras. A Constituição do Brasil, promulgada em 1988, estabeleceu um prazo de cinco anos para que todas as terras indígenas fossem demarcadas. Já se passaram quase 20 anos e apenas 38,24% do total foram demarcadas faltando ainda faltam 61,76%. Essa morosidade intensifica e perpetua os conflitos fundiários e aumenta o índice de violência contra nossas comunidades.
A atitude de nossos Povos frente a essa difícil realidade é a de sempre dialogar, defendendo os nossos direitos, tão duramente conquistados; fundamentalmente nosso direito à Vida. Continuaremos, em todo o país e de todas as maneiras, a buscar a convivência pacífica e solidária com as demais comunidades que formam o povo brasileiro, numa perspectiva de reconhecimento e respeito à nossa rica diversidade étnico-cultural.
Desejamos transmitir a Vossa Santidade, nestas breves palavras, um pouco de nossas angústias e esperanças, contando com Vossa amizade e solidariedade na construção de um Continente e de um mundo justo e harmonioso, conforme buscaram por séculos nossos ancestrais.
Brasília (SP), 10 de maio de 2007.

13 de mai. de 2007

Discurso do papa Bento XVI na Abertura da V Conferência Episcopal da América Latina

ABERTURA DA V CONFERÊNCIA
BRASIL - APARECIDA- 13.05.2007
Santuario de Nuestra Señora Aparecida
V Conferencia General del Episcopado Latinoamericano y del Caribe

Queridos Hermanos en el Episcopado, amados sacerdotes, religiosos, religiosas y laicos. Queridos observadores de otras confesiones religiosas:

Es motivo de gran alegría estar hoy aquí con vosotros para inaugurar la V Conferencia General del Episcopado Latinoamericano y del Caribe, que se celebra junto al Santuario de Nuestra Señora Aparecida, Patrona del Brasil. Quiero que mis primeras palabras sean de acción de gracias y de alabanza a Dios por el gran don de la fe cristiana a las gentes de este Continente.

1. La fe cristiana en América Latina

La fe en Dios ha animado la vida y la cultura de estos pueblos durante más de cinco siglos. Del encuentro de esa fe con las etnias originarias ha nacido la rica cultura cristiana de este Continente expresada en el arte, la música, la literatura y, sobre todo, en las tradiciones religiosas y en la idiosincrasia de sus gentes, unidas por una misma historia y un mismo credo, y formando una gran sintonía en la diversidad de culturas y de lenguas. En la actualidad, esa misma fe ha de afrontar serios retos, pues están en juego el desarrollo armónico de la sociedad y la identidad católica de sus pueblos. A este respecto, la V Conferencia General va a reflexionar sobre esta situación para ayudar a los fieles cristianos a vivir su fe con alegría y coherencia, a tomar conciencia de ser discípulos y misioneros de Cristo, enviados por Él al mundo para anunciar y dar testimonio de nuestra fe y amor.
Pero, ¿qué ha significado la aceptación de la fe cristiana para los pueblos de América Latina y del Caribe? Para ellos ha significado conocer y acoger a Cristo, el Dios desconocido que sus antepasados, sin saberlo, buscaban en sus ricas tradiciones religiosas. Cristo era el Salvador que anhelaban silenciosamente. Ha significado también haber recibido, con las aguas del bautismo, la vida divina que los hizo hijos de Dios por adopción; haber recibido, además, el Espíritu Santo que ha venido a fecundar sus culturas, purificándolas y desarrollando los numerosos gérmenes y semillas que el Verbo encarnado había puesto en ellas, orientándolas así por los caminos del Evangelio. En efecto, el anuncio de Jesús y de su Evangelio no supuso, en ningún momento, una alienación de las culturas precolombinas, ni fue una imposición de una cultura extraña. Las auténticas culturas no están cerradas en sí mismas ni petrificadas en un determinado punto de la historia, sino que están abiertas, más aún, buscan el encuentro con otras culturas, esperan alcanzar la universalidad en el encuentro y el diálogo con otras formas de vida y con los elementos que puedan llevar a una nueva síntesis en la que se respete siempre la diversidad de las expresiones y de su realización cultural concreta.
En última instancia, sólo la verdad unifica y su prueba es el amor. Por eso Cristo, siendo realmente el Logos encarnado, “el amor hasta el extremo”, no es ajeno a cultura alguna ni a ninguna persona; por el contrario, la respuesta anhelada en el corazón de las culturas es lo que les da su identidad última, uniendo a la humanidad y respetando a la vez la riqueza de las diversidades, abriendo a todos al crecimiento en la verdadera humanización, en el auténtico progreso. El Verbo de Dios, haciéndose carne en Jesucristo, se hizo también historia y cultura.
La utopía de volver a dar vida a las religiones precolombinas, separándolas de Cristo y de la Iglesia universal, no sería un progreso, sino un retroceso. En realidad sería una involución hacia un momento histórico anclado en el pasado.
La sabiduría de los pueblos originarios les llevó afortunadamente a formar una síntesis entre sus culturas y la fe cristiana que los misioneros les ofrecían. De allí ha nacido la rica y profunda religiosidad popular, en la cual aparece el alma de los pueblos latinoamericanos:
- El amor a Cristo sufriente, el Dios de la compasión, del perdón y de la reconciliación; el Dios que nos ha amado hasta entregarse por nosotros;
- El amor al Señor presente en la Eucaristía, el Dios encarnado, muerto y resucitado para ser Pan de Vida;
- El Dios cercano a los pobres y a los que sufren;
- La profunda devoción a la Santísima Virgen de Guadalupe, de Aparecida o de las diversas advocaciones nacionales y locales. Cuando la Virgen de Guadalupe se apareció al indio san Juan Diego le dijo estas significativas palabras: “¿No estoy yo aquí que soy tu madre?, ¿no estás bajo mi sombra y resguardo?, ¿no soy yo la fuente de tu alegría?, ¿no estás en el hueco de mi manto, en el cruce de mis brazos?” (Nican Mopohua, nn. 118-119 ).
Esta religiosidad se expresa también en la devoción a los santos con sus fiestas patronales, en el amor al Papa y a los demás Pastores, en el amor a la Iglesia universal como gran familia de Dios que nunca puede ni debe dejar solos o en la miseria a sus propios hijos. Todo ello forma el gran mosaico de la religiosidad popular que es el precioso tesoro de la Iglesia católica en América Latina, y que ella debe proteger, promover y, en lo que fuera necesario, también purificar.

2. Continuidad con las otras Conferencias

Esta V Conferencia General se celebra en continuidad con las otras cuatro que la precedieron en Río de Janeiro, Medellín, Puebla y Santo Domingo. Con el mismo espíritu que las animó, los Pastores quieren dar ahora un nuevo impulso a la evangelización, a fin de que estos pueblos sigan creciendo y madurando en su fe, para ser luz del mundo y testigos de Jesucristo con la propia vida.
Después de la IV Conferencia General, en Santo Domingo, muchas cosas han cambiado en la sociedad. La Iglesia, que participa de los gozos y esperanzas, de las penas y alegrías de sus hijos, quiere caminar a su lado en este período de tantos desafíos, para infundirles siempre esperanza y consuelo (cf. Gaudium et spes, 1).
En el mundo de hoy se da el fenómeno de la globalización como un entramado de relaciones a nivel planetario. Aunque en ciertos aspectos es un logro de la gran familia humana y una señal de su profunda aspiración a la unidad, sin embargo comporta también el riesgo de los grandes monopolios y de convertir el lucro en valor supremo. Como en todos los campos de la actividad humana, la globalización debe regirse también por la ética, poniendo todo al servicio de la persona humana, creada a imagen y semejanza de Dios.
En América Latina y el Caribe, igual que en otras regiones, se ha evolucionado hacia la democracia, aunque haya motivos de preocupación ante formas de gobierno autoritarias o sujetas a ciertas ideologías que se creían superadas, y que no corresponden con la visión cristiana del hombre y de la sociedad, como nos enseña la Doctrina social de la Iglesia. Por otra parte, la economía liberal de algunos países latinoamericanos ha de tener presente la equidad, pues siguen aumentando los sectores sociales que se ven probados cada vez más por una enorme pobreza o incluso expoliados de los propios bienes naturales.
En las Comunidades eclesiales de América Latina es notable la madurez en la fe de muchos laicos y laicas activos y entregados al Señor, junto con la presencia de muchos abnegados catequistas, de tantos jóvenes, de nuevos movimientos eclesiales y de recientes Institutos de vida consagrada. Se demuestran fundamentales muchas obras católicas educativas, asistenciales y hospitalitarias. Se percibe, sin embargo, un cierto debilitamiento de la vida cristiana en el conjunto de la sociedad y de la propia pertenencia a la Iglesia católica debido al secularismo, al hedonismo, al indiferentismo y al proselitismo de numerosas sectas, de religiones animistas y de nuevas expresiones seudoreligiosas.
Todo ello configura una situación nueva que será analizada aquí, en Aparecida. Ante la nueva encrucijada, los fieles esperan de esta V Conferencia una renovación y revitalización de su fe en Cristo, nuestro único Maestro y Salvador, que nos ha revelado la experiencia única del Amor infinito de Dios Padre a los hombres. De esta fuente podrán surgir nuevos caminos y proyectos pastorales creativos, que infundan una firme esperanza para vivir de manera responsable y gozosa la fe e irradiarla así en el propio ambiente.

3. Discípulos y misioneros

Esta Conferencia General tiene como tema: “Discípulos y misioneros de Jesucristo, para que nuestros pueblos en Él tengan vida. -Yo soy el Camino, la Verdad y la Vida-” (Jn 14,6).
La Iglesia tiene la gran tarea de custodiar y alimentar la fe del Pueblo de Dios, y recordar también a los fieles de este Continente que, en virtud de su bautismo, están llamados a ser discípulos y misioneros de Jesucristo. Esto conlleva seguirlo, vivir en intimidad con Él, imitar su ejemplo y dar testimonio. Todo bautizado recibe de Cristo, como los Apóstoles, el mandato de la misión: “Id por todo el mundo y proclamad la Buena Nueva a toda la creación. El que crea y sea bautizado, se salvará” (Mc 16,15). Pues ser discípulos y misioneros de Jesucristo y buscar la vida “en Él” supone estar profundamente enraizados en Él.
¿Qué nos da Cristo realmente?¿Por qué queremos ser discípulos de Cristo? Porque esperamos encontrar en la comunión con Él la vida, la verdadera vida digna de este nombre, y por esto queremos darlo a conocer a los demás, comunicarles el don que hemos hallado en Él. Pero, ¿es esto así? ¿Estamos realmente convencidos de que Cristo es el camino, la verdad y la vida?
Ante la prioridad de la fe en Cristo y de la vida “en Él”, formulada en el título de esta V Conferencia, podría surgir también otra cuestión: Esta prioridad, ¿no podría ser acaso una fuga hacia el intimismo, hacia el individualismo religioso, un abandono de la realidad urgente de los grandes problemas económicos, sociales y políticos de América Latina y del mundo, y una fuga de la realidad hacia un mundo espiritual?
Como primer paso podemos responder a esta pregunta con otra: ¿Qué es esta “realidad”? ¿Qué es lo real? ¿Son “realidad” sólo los bienes materiales, los problemas sociales, económicos y políticos? Aquí está precisamente el gran error de las tendencias dominantes en el último siglo, error destructivo, como demuestran los resultados tanto de los sistemas marxistas como incluso de los capitalistas. Falsifican el concepto de realidad con la amputación de la realidad fundante y por esto decisiva, que es Dios. Quien excluye a Dios de su horizonte falsifica el concepto de “realidad” y, en consecuencia, sólo puede terminar en caminos equivocados y con recetas destructivas.
La primera afirmación fundamental es, pues, la siguiente: Sólo quien reconoce a Dios, conoce la realidad y puede responder a ella de modo adecuado y realmente humano. La verdad de esta tesis resulta evidente ante el fracaso de todos los sistemas que ponen a Dios entre paréntesis.
Pero surge inmediatamente otra pregunta: ¿Quién conoce a Dios? ¿Cómo podemos conocerlo? No podemos entrar aquí en un complejo debate sobre esta cuestión fundamental. Para el cristiano el núcleo de la respuesta es simple: Sólo Dios conoce a Dios, sólo su Hijo que es Dios de Dios, Dios verdadero, lo conoce. Y Él, “que está en el seno del Padre, lo ha contado” (Jn 1,18). De aquí la importancia única e insustituible de Cristo para nosotros, para la humanidad. Si no conocemos a Dios en Cristo y con Cristo, toda la realidad se convierte en un enigma indescifrable; no hay camino y, al no haber camino, no hay vida ni verdad.
Dios es la realidad fundante, no un Dios sólo pensado o hipotético, sino el Dios de rostro humano; es el Dios-con-nosotros, el Dios del amor hasta la cruz. Cuando el discípulo llega a la comprensión de este amor de Cristo “hasta el extremo”, no puede dejar de responder a este amor sino es con un amor semejante: “Te seguiré adondequiera que vayas” (Lc 9,57).
Todavía nos podemos hacer otra pregunta: ¿Qué nos da la fe en este Dios? La primera respuesta es: nos da una familia, la familia universal de Dios en la Iglesia católica. La fe nos libera del aislamiento del yo, porque nos lleva a la comunión: el encuentro con Dios es, en sí mismo y como tal, encuentro con los hermanos, un acto de convocación, de unificación, de responsabilidad hacia el otro y hacia los demás. En este sentido, la opción preferencial por los pobres está implícita en la fe cristológica en aquel Dios que se ha hecho pobre por nosotros, para enriquecernos con su pobreza (cf. 2 Co 8,9).
Pero antes de afrontar lo que comporta el realismo de la fe en el Dios hecho hombre, tenemos que profundizar en la pregunta: ¿cómo conocer realmente a Cristo para poder seguirlo y vivir con Él, para encontrar la vida en Él y para comunicar esta vida a los demás, a la sociedad y al mundo? Ante todo, Cristo se nos da a conocer en su persona, en su vida y en su doctrina por medio de la Palabra de Dios. Al iniciar la nueva etapa que la Iglesia misionera de America Latina y del Caribe se dispone a emprender, a partir de esta V Conferencia General en Aparecida, es condición indispensable el conocimiento profundo de la Palabra de Dios.
Por esto, hay que educar al pueblo en la lectura y meditación de la Palabra de Dios: que ella se convierta en su alimento para que, por propia experiencia, vean que las palabras de Jesús son espíritu y vida (cf. Jn 6,63). De lo contrario, ¿cómo van a anunciar un mensaje cuyo contenido y espíritu no conocen a fondo? Hemos de fundamentar nuestro compromiso misionero y toda nuestra vida en la roca de la Palabra de Dios. Para ello, animo a los Pastores a esforzarse en darla a conocer.
Un gran medio para introducir al Pueblo de Dios en el misterio de Cristo es la catequesis. En ella se trasmite de forma sencilla y substancial el mensaje de Cristo. Convendrá por tanto intensificar la catequesis y la formación en la fe, tanto de los niños como de los jóvenes y adultos. La reflexión madura de la fe es luz para el camino de la vida y fuerza para ser testigos de Cristo. Para ello se dispone de instrumentos muy valiosos como son el Catecismo de la Iglesia Católica y su versión más breve, el Compendio del Catecismo de la Iglesia Católica.
En este campo no hay que limitarse sólo a las homilías, conferencias, cursos de Biblia o teología, sino que se ha de recurrir también a los medios de comunicación: prensa, radio y televisión, sitios de internet, foros y tantos otros sistemas para comunicar eficazmente el mensaje de Cristo a un gran número de personas.
En este esfuerzo por conocer el mensaje de Cristo y hacerlo guía de la propia vida, hay que recordar que la evangelización ha ido unida siempre a la promoción humana y a la auténtica liberación cristiana. “Amor a Dios y amor al prójimo se funden entre sí: en el más humilde encontramos a Jesús mismo y en Jesús encontramos a Dios” (Deus caritas est, 15). Por lo mismo, será también necesaria una catequesis social y una adecuada formación en la doctrina social de la Iglesia, siendo muy útil para ello el “Compendio de la Doctrina Social de la Iglesia”. La vida cristiana no se expresa solamente en las virtudes personales, sino también en las virtudes sociales y políticas.
El discípulo, fundamentado así en la roca de la Palabra de Dios, se siente impulsado a llevar la Buena Nueva de la salvación a sus hermanos. Discipulado y misión son como las dos caras de una misma medalla: cuando el discípulo está enamorado de Cristo, no puede dejar de anunciar al mundo que sólo Él nos salva (cf. Hch 4,12). En efecto, el discípulo sabe que sin Cristo no hay luz, no hay esperanza, no hay amor, no hay futuro.

4. “Para que en Él tengan vida”

Los pueblos latinoamericanos y caribeños tienen derecho a una vida plena, propia de los hijos de Dios, con unas condiciones más humanas: libres de las amenazas del hambre y de toda forma de violencia. Para estos pueblos, sus Pastores han de fomentar una cultura de la vida que permita, como decía mi predecesor Pablo VI, “pasar de la miseria a la posesión de lo necesario, a la adquisición de la cultura… a la cooperación en el bien común… hasta el reconocimiento, por parte del hombre, de los valores supremos y de Dios, que de ellos es la fuente y el fin” (Populorum progressio, 21).
En este contexto me es grato recordar la Encíclica “Populorum progressio”, cuyo 40 aniversario recordamos este año. Este documento pontificio pone en evidencia que el desarrollo auténtico ha de ser integral, es decir, orientado a la promoción de todo el hombre y de todos los hombres (cf. n. 14), e invita a todos a suprimir las graves desigualdades sociales y las enormes diferencias en el acceso a los bienes. Estos pueblos anhelan, sobre todo, la plenitud de vida que Cristo nos ha traído: “Yo he venido para que tengan vida y la tengan en abundancia” (Jn 10,10). Con esta vida divina se desarrolla también en plenitud la existencia humana, en su dimensión personal, familiar, social y cultural.
Para formar al discípulo y sostener al misionero en su gran tarea, la Iglesia les ofrece, además del Pan de la Palabra, el Pan de la Eucaristía. A este respecto nos inspira e ilumina la página del Evangelio sobre los discípulos de Emaús. Cuando éstos se sientan a la mesa y reciben de Jesucristo el pan bendecido y partido, se les abren los ojos, descubren el rostro del Resucitado, sienten en su corazón que es verdad todo lo que Él ha dicho y hecho, y que ya ha iniciado la redención del mundo. Cada domingo y cada Eucaristía es un encuentro personal con Cristo. Al escuchar la Palabra divina, el corazón arde porque es Él quien la explica y proclama. Cuando en la Eucaristía se parte el pan, es a Él a quien se recibe personalmente. La Eucaristía es el alimento indispensable para la vida del discípulo y misionero de Cristo.

La Misa dominical, centro de la vida cristiana

De aquí la necesidad de dar prioridad, en los programas pastorales, a la valorización de la Misa dominical. Hemos de motivar a los cristianos para que participen en ella activamente y, si es posible, mejor con la familia. La asistencia de los padres con sus hijos a la celebración eucarística dominical es una pedagogía eficaz para comunicar la fe y un estrecho vínculo que mantiene la unidad entre ellos. El domingo ha significado, a lo largo de la vida de la Iglesia, el momento privilegiado del encuentro de las comunidades con el Señor resucitado.
Es necesario que los cristianos experimenten que no siguen a un personaje de la historia pasada, sino a Cristo vivo, presente en el hoy y el ahora de sus vidas. Él es el Viviente que camina a nuestro lado, descubriéndonos el sentido de los acontecimientos, del dolor y de la muerte, de la alegría y de la fiesta, entrando en nuestras casas y permaneciendo en ellas, alimentándonos con el Pan que da la vida. Por eso la celebración dominical de la Eucaristía ha de ser el centro de la vida cristiana.
El encuentro con Cristo en la Eucaristía suscita el compromiso de la evangelización y el impulso a la solidaridad; despierta en el cristiano el fuerte deseo de anunciar el Evangelio y testimoniarlo en la sociedad para que sea más justa y humana. De la Eucaristía ha brotado a lo largo de los siglos un inmenso caudal de caridad, de participación en las dificultades de los demás, de amor y de justicia. ¡Sólo de la Eucaristía brotará la civilización del amor, que transformará Latinoamérica y el Caribe para que, además de ser el Continente de la Esperanza, sea también el Continente del Amor!

Los problemas sociales y políticos

Llegados a este punto podemos preguntarnos ¿cómo puede contribuir la Iglesia a la solución de los urgentes problemas sociales y políticos, y responder al gran desafío de la pobreza y de la miseria? Los problemas de América Latina y del Caribe, así como del mundo de hoy, son múltiples y complejos, y no se pueden afrontar con programas generales. Sin embargo, la cuestión fundamental sobre el modo cómo la Iglesia, iluminada por la fe en Cristo, deba reaccionar ante estos desafíos, nos concierne a todos. En este contexto es inevitable hablar del problema de las estructuras, sobre todo de las que crean injusticia. En realidad, las estructuras justas son una condición sin la cual no es posible un orden justo en la sociedad. Pero, ¿cómo nacen?, ¿cómo funcionan? Tanto el capitalismo como el marxismo prometieron encontrar el camino para la creación de estructuras justas y afirmaron que éstas, una vez establecidas, funcionarían por sí mismas; afirmaron que no sólo no habrían tenido necesidad de una precedente moralidad individual, sino que ellas fomentarían la moralidad común. Y esta promesa ideológica se ha demostrado que es falsa. Los hechos lo ponen de manifiesto. El sistema marxista, donde ha gobernado, no sólo ha dejado una triste herencia de destrucciones económicas y ecológicas, sino también una dolorosa destrución del espíritu. Y lo mismo vemos también en occidente, donde crece constantemente la distancia entre pobres y ricos y se produce una inquietante degradación de la dignidad personal con la droga, el alcohol y los sutiles espejismos de felicidad.
Las estructuras justas son, como he dicho, una condición indispensable para una sociedad justa, pero no nacen ni funcionan sin un consenso moral de la sociedad sobre los valores fundamentales y sobre la necesidad de vivir estos valores con las necesarias renuncias, incluso contra el interés personal.
Donde Dios está ausente – el Dios del rostro humano de Jesucristo – estos valores no se muestran con toda su fuerza, ni se produce un consenso sobre ellos. No quiero decir que los no creyentes no puedan vivir una moralidad elevada y ejemplar; digo solamente que una sociedad en la que Dios está ausente no encuentra el consenso necesario sobre los valores morales y la fuerza para vivir según la pauta de estos valores, aun contra los propios intereses.
Por otro lado, las estructuras justas han de buscarse y elaborarse a la luz de los valores fundamentales, con todo el empeño de la razón política, económica y social. Son una cuestión de la recta ratio y no provienen de ideologías ni de sus promesas. Ciertamente existe un tesoro de experiencias políticas y de conocimientos sobre los problemas sociales y económicos, que evidencian elementos fundamentales de un estado justo y los caminos que se han de evitar. Pero en situaciones culturales y políticas diversas, y en el cambio progresivo de las tecnologías y de la realidad histórica mundial, se han de buscar de manera racional las respuestas adecuadas y debe crearse – con los compromisos indispensables – el consenso sobre las estructuras que se han de establecer.
Este trabajo político no es competencia inmediata de la Iglesia. El respeto de una sana laicidad – incluso con la pluralidad de las posiciones políticas – es esencial en la tradición cristiana auténtica. Si la Iglesia comenzara a transformarse directamente en sujeto político, no haría más por los pobres y por la justicia, sino que haría menos, porque perdería su independencia y su autoridad moral, identificándose con una única vía política y con posiciones parciales opinables. La Iglesia es abogada de la justicia y de los pobres, precisamente al no identificarse con los políticos ni con los intereses de partido. Sólo siendo independiente puede enseñar los grandes criterios y los valores inderogables, orientar las conciencias y ofrecer una opción de vida que va más allá del ámbito político. Formar las conciencias, ser abogada de la justicia y de la verdad, educar en las virtudes individuales y políticas, es la vocación fundamental de la Iglesia en este sector. Y los laicos católicos deben ser concientes de su responsabilidad en la vida pública; deben estar presentes en la formación de los consensos necesarios y en la oposición contra las injusticias.
Las estructuras justas jamás serán completas de modo definitivo; por la constante evolución de la historia, han de ser siempre renovadas y actualizadas; han de estar animadas siempre por un “ethos” político y humano, por cuya presencia y eficiencia se ha de trabajar siempre. Con otras palabras, la presencia de Dios, la amistad con el Hijo de Dios encarnado, la luz de su Palabra, son siempre condiciones fundamentales para la presencia y eficiencia de la justicia y del amor en nuestras sociedades.
Por tratarse de un Continente de bautizados, conviene colmar la notable ausencia, en el ámbito político, comunicativo y universitario, de voces e iniciativas de líderes católicos de fuerte personalidad y de vocación abnegada, que sean coherentes con sus convicciones éticas y religiosas. Los movimientos eclesiales tienen aquí un amplio campo para recordar a los laicos su responsabilidad y su misión de llevar la luz del Evangelio a la vida pública, cultural, económica y política.

5. Otros campos prioritarios

Para llevar a cabo la renovación de la Iglesia a vosotros confiada en estas tierras, quisiera fijar la atención con vosotros sobre algunos campos que considero prioritarios en esta nueva etapa.

La familia
La familia, “patrimonio de la humanidad”, constituye uno de los tesoros más importantes de los pueblos latinoamericanos. Ella ha sido y es escuela de la fe, palestra de valores humanos y cívicos, hogar en el que la vida humana nace y se acoge generosa y responsablemente. Sin embargo, en la actualidad sufre situaciones adversas provocadas por el secularismo y el relativismo ético, por los diversos flujos migratorios internos y externos, por la pobreza, por la inestabilidad social y por legislaciones civiles contrarias al matrimonio que, al favorecer los anticonceptivos y el aborto, amenazan el futuro de los pueblos.
En algunas familias de América Latina persiste aún por desgracia una mentalidad machista, ignorando la novedad del cristianismo que reconoce y proclama la igual dignidad y responsabilidad de la mujer respecto al hombre.
La familia es insustituible para la serenidad personal y para la educación de los hijos. Las madres que quieren dedicarse plenamente a la educación de sus hijos y al servicio de la familia han de gozar de las condiciones necesarias para poderlo hacer, y para ello tienen derecho a contar con el apoyo del Estado. En efecto, el papel de la madre es fundamental para el futuro de la sociedad.
El padre, por su parte, tiene el deber de ser verdaderamente padre, que ejerce su indispensable responsabilidad y colaboración en la educación de sus hijos. Los hijos, para su crecimiento integral, tienen el derecho de poder contar con el padre y la madre, para que cuiden de ellos y los acompañen hacia la plenitud de su vida. Es necesaria, pues, una pastoral familiar intensa y vigorosa. Es indispensable también promover políticas familiares auténticas que respondan a los derechos de la familia como sujeto social imprescindible. La familia forma parte del bien de los pueblos y de la humanidad entera.

Os sacerdotes
Os primeiros promotores do discipulado e da missão são aqueles que foram chamados «para estar com Jesus e ser enviados a pregar» (cf. Mc 3,14), ou seja, os sacerdotes. Eles devem receber de modo preferencial a atenção e o cuidado paterno dos seus Bispos, pois são os primeiros agentes de uma autentica renovação da vida cristã no povo de Deus. A eles quero dirigir uma palavra de afeto paterno desejando «que o Senhor seja parte da sua herança e do seu cálice» (cf. Sl 16,5). Se o sacerdote fizer de Deus o fundamento e o centro de sua vida, então experimentará a alegria e a fecundidade da sua vocação. O sacerdote deve ser antes de tudo um “homem de Deus” (1Tim 6,11); um homem que conhece a Deus “em primeira mão”, que cultiva uma profunda amizade pessoal com Jesus, que compartilha os “sentimentos de Jesus” (cf. Fil 2,5). Somente assim o sacerdote será capaz de levar Deus - o Deus encarnado em Jesus Cristo - aos homens, e de ser representante do seu amor. Para cumprir a sua altíssima missão deve possuir uma sólida estrutura espiritual e viver toda a existência animado pela fé, a esperança e a caridade. Tem de ser, como Jesus, um homem que procure, através da oração, o rosto e a vontade de Deus, cultivando igualmente sua preparação cultural e intelectual.
Queridos sacerdotes deste Continente e quantos que, como missionários, nele viestes a trabalhar: o Papa acompanha vossa atividade pastoral e deseja que estejam repletos de consolações e de esperança, e reza por vocês.

Religiosos, religiosas e consagrados
Quero dirigir-me também aos religiosos, às religiosas e aos leigos e leigas consagrados. A sociedade latino-americana e caribenha tem necessidade do vosso testemunho: em um mundo que tantas vezes busca, sobretudo, o bem-estar, a riqueza e o prazer como finalidade da vida, e que exalta a liberdade prescindindo da verdade do homem criado por Deus, vocês são testemunhas de que existe outra forma de viver com sentido; lembrem aos vossos irmãos e irmãs que o Reino de Deus chegou; que a justiça e a verdade são possíveis se nos abrimos à presença amorosa de Deus nosso Pai, de Cristo nosso irmão e Senhor, do Espírito Santo nosso Consolador. Com generosidade e até ao heroísmo, continuai trabalhando para que na sociedade reine o amor, a justiça, a bondade, o serviço, a solidariedade conforme o carisma dos vossos fundadores. Abraçai com profunda alegria vossa consagração, que é instrumento de santificação para vocês e de redenção para vossos irmãos.
A Igreja da América Latina vos agradece pelo grande trabalho que vindes realizando ao longo dos séculos pelo Evangelho de Cristo a favor de vossos irmãos, principalmente pelos mais pobres e marginalizados. Convido a todos para que colaborem sempre com os Bispos, trabalhando unidos a eles que são os responsáveis pela pastoral. Exorto-vos também a uma obediência sincera à autoridade da Igreja. Não tenham outro ideal que não seja a santidade conforme os ensinamentos de vossos fundadores.

Os leigos
Nesta hora em que a Igreja deste Continente se entrega plenamente à sua vocação missionária, lembro aos leigos que são também Igreja, assembléia convocada por Cristo para levar seu testemunho ao mundo inteiro. Todos os homens e mulheres batizados devem tomar consciência de que foram configurados com Cristo Sacerdote, Profeta e Pastor, através do sacerdócio comum do Povo de Deus. Devem sentir-se co-responsáveis na construção da sociedade segundo os critérios do Evangelho, com entusiasmo e audácia, em comunhão com os seus Pastores.
São muitos os fiéis que pertencem a movimentos eclesiais, nos quais podemos ver os sinais da multiforme presença e ação santificadora do Espírito Santo na Igreja e na sociedade atual. Eles são chamados para levar ao mundo o testemunho de Jesus Cristo e ser fermento do amor de Deus na sociedade.

Os Jovens e a pastoral vocacional
Na América Latina a maioria da população está formada por jovens. A este respeito, devemos recordar-lhes que sua vocação é ser amigos de Cristo, discípulos, sentinelas do amanhã, como costumava dizer o meu Predecessor João Paulo II. Os jovens não temem o sacrifício, mas, sim, uma vida sem sentido. São sensíveis à chamada de Cristo que os convida a segui-Lo. Podem responder a essa chamada como sacerdotes, como consagrados e consagradas, ou ainda como pais e mães de família, dedicados totalmente a servir aos seus irmãos com todo o seu tempo, sua capacidade de entrega e com a vida inteira. Os jovens encaram a existência como uma constante descoberta, não se limitando às modas e tendências comuns, indo mais além com uma curiosidade radical acerca do sentido da vida, e de Deus Pai-Criador e Deus-Filho Redentor no seio da família humana. Eles devem-se comprometer por uma constante renovação do mundo à luz de Deus. Mais ainda: cabe-lhes a tarefa de opor-se às fáceis ilusões da felicidade imediata e dos paraísos enganosos da droga, do prazer, do álcool, junto com todas as formas de violência.

6. “Quédate con nosotros”

Los trabajos de esta V Conferencia General nos llevan a hacer nuestra la súplica de los discípulos de Emaús: “Quédate con nosotros, porque atardece y el día ya ha declinado” (Lc 24, 29).
Quédate con nosotros, Señor, acompáñanos aunque no siempre hayamos sabido reconocerte. Quédate con nosotros, porque en torno a nosotros se van haciendo más densas las sombras, y tú eres la Luz; en nuestros corazones se insinúa la desesperanza, y tú los haces arder con la certeza de la Pascua. Estamos cansados del camino, pero tú nos confortas en la fracción del pan para anunciar a nuestros hermanos que en verdad tú has resucitado y que nos has dado la misión de ser testigos de tu resurrección.
Quédate con nosotros, Señor, cuando en torno a nuestra fe católica surgen las nieblas de la duda, del cansancio o de la dificultad: tú, que eres la Verdad misma como revelador del Padre, ilumina nuestras mentes con tu Palabra; ayúdanos a sentir la belleza de creer en ti.
Quédate en nuestras familias, ilumínalas en sus dudas, sosténlas en sus dificultades, consuélalas en sus sufrimientos y en la fatiga de cada día, cuando en torno a ellas se acumulan sombras que amenazan su unidad y su naturaleza. Tú que eres la Vida, quédate en nuestros hogares, para que sigan siendo nidos donde nazca la vida humana abundante y generosamente, donde se acoja, se ame, se respete la vida desde su concepción hasta su término natural.
Quédate, Señor, con aquéllos que en nuestras sociedades son más vulnerables; quédate con los pobres y humildes, con los indígenas y afroamericanos, que no siempre han encontrado espacios y apoyo para expresar la riqueza de su cultura y la sabiduría de su identidad. Quédate, Señor, con nuestros niños y con nuestros jóvenes, que son la esperanza y la riqueza de nuestro Continente, protégelos de tantas insidias que atentan contra su inocencia y contra sus legítimas esperanzas.¡Oh buen Pastor, quédate con nuestros ancianos y con nuestros enfermos. ¡Fortalece a todos en su fe para que sean tus discípulos y misioneros!

Conclusión

Al concluir mi permanencia entre vosotros, deseo invocar la protección de la Madre de Dios y Madre de la Iglesia sobre vuestras personas y sobre toda América Latina y el Caribe. Imploro de modo especial a Nuestra Señora – bajo la advocación de Guadalupe, Patrona de América, y de Aparecida, Patrona de Brasil - que os acompañe en vuestra hermosa y exigente labor pastoral. A ella confío el Pueblo de Dios en esta etapa del tercer Milenio cristiano. A ella le pido también que guíe los trabajos y reflexiones de esta Conferencia General, y que bendiga con abundantes dones a los queridos pueblos de este Continente.