16 de fev. de 2007

E a libertação continua...


Não são poucos os que perguntam: a quantas anda a teologia da libertação? Não obstante o persistente controle por parte das autoridades doutrinárias do Vaticano, ela continua viva nas Igrejas que tomaram a sério a opção pelo pobres, contra a pobreza e em favor da vida e da libertação. Marx não foi nem é pai e padrinho deste tipo de teologia. Ela nasceu como resposta ao grito dos oprimidos e dos estertores da Terra. Ao agravar-se a injustiça social e ecológica, esse grito se transformou hoje em clamor. Daí a permanente atualidade da teologia da libertação nos lugares onde cristãos se recusam a aceitar essa anti-realidade e encontram em sua fé motivos poderosos para lutar contra ela, ombro a ombro com outros.


No âmbito das Igrejas ela lançou raízes nas cem mil comunidades de base, nos milhares e milhares de círculos bíblicos e nas várias pastorais sociais. Nestes espaços os cristãos aprendem a confrontar página da Bíblia com página da realidade e derivar compromissos transformadores. No âmbito da sociedade, a teologia da libertação ganhou corpo em inúmeros movimentos sociais, como nos Sem-Terra, em alguns movimentos de negros, de indígenas, de mulheres marginalizadas e outros. A assim chamada Igreja da libertação comparece como uma das forças que ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores e ainda hoje lhe dá substância ética e espiritual e lhe garante caráter popular.


Fenômeno relevante é constatar que ela penetrou no campo especificamente político e contribuíu na elaboração de uma nova ética pública. Como se não bastasse, fez suscitar uma mística de transformação e de cuidado para com as coisas do povo, sem a qual as políticas sociais correm risco de se atolarem no pântano do populismo e desembocarem em medidas pobres para com os pobres.


Pude constatar tal fato nos inícios de maio quando me coube dar palestras e debates, a convite de grupos da Igreja da libertação e do Governo petista de Jorge Viana no Acre. Estive muitas vezes neste Estado nos anos 70 e 80, pois aí se instaurava um dos ensaios de Igreja libertadora dos mais consistentes sob a animação da excepcional figura do bispo Dom Moacyr Grecchi e hoje continuada pelo Pe. Luiz Ceppi, articulador inteligente entre fé, política e libertação. Esta Igreja não só organizou vasta rede de comunidades eclesiais de base senão que formou quadros comprometidos com a realidade da floresta. Estes quadros ganharam hoje a cena política, como o Governador Jorge Viana, seu irmão, o senador Tião Viana, a seringueira e senadora Marina Silva, o deputado federal e teólogo leigo Nilson Mourão entre tantos outros, de grande valor ético e político. Eles implementam uma política democrática e popular, realmente inspirada nos ideais da libertação.


Não há espaço para detalhar os conteúdos do projeto político em curso no Acre. Mas cabe ressaltar duas características relevantes. A primeira, a criação de uma metáfora forte que define ação política: "governo da floresta" e "florestania". Desenvolvimento não se faz destruindo a floresta, mas preservando-a, extraindo dela sua incomensurável riqueza e integrando quem lá habita.


A segunda, foi a de ter criado uma verdadeira mística de re-invenção do Acre que se apoderou das mentes e corações de seus operadores. Irradia-se uma aura benfazeja que impregna a todos, num despojamento exemplar dos símbolos de poder em função dos ideais de cuidado com o bem comum e de aproximação à realidade crua do povo.


Mais importante que a teologia da libertação, é a libertação concreta dos oprimidos. Tal evento é parte da política de Deus no mundo, chamada, não Igreja, mas Reino de Deus.


Leonardo Boff é teólogo.

Escrito em 2002

Nenhum comentário: