17 de fev. de 2007

As Comunidades Eclesiais de Base: Vida e Esperança


Houve um tempo em que não havia muita necessidade de explicar o significado da sigla "CEBs". Fazia parte do imaginário e do vocabulário de muitos cristãos católicos, sobretudo no Brasil. Suscitava entusiasmos e esperanças, mobilizava desejos e energias, assim como perplexidades e interrogações.


Mas hoje, passada a dureza do período da ditadura militar e do processo de democratização; passados sobretudo os anos imediatamente seguintes ao Concílio Vaticano II, quando na América Latina as conferências de Medellín (1968) e Puebla (1979) configuravam um novo rosto para a Igreja, é necessário fazer memória. Pois foi naquela época que brotaram, em todo o país, pequenas comunidades ligadas principalmente à Igreja católica. Querendo ou não, contribuíram de diferentes maneiras para o processo de democratização.


Eram grupos de pessoas que, morando no mesmo bairro ou nos mesmos povoados, se encontravam para refletir e transformar a realidade à luz da Palavra de Deus e das motivações religiosas. Daí o nome de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Começavam também a reivindicar pequenas melhorias nos bairros, mas, ao mesmo tempo, iniciavam uma caminhada para tomar consciência da situação social e política. Queriam a transformação da sociedade. Inspiradas no método Paulo Freire de alfabetização de adultos, executavam uma metodologia que levasse da conscientização à ação.


O prof. Faustino Luiz Couto Teixeira, especialista no assunto, escreve que "nos anos 70 e início dos 80, falava-se muito no impacto da atuação das CEBs no campo sócio-político, enquanto geradoras de uma nova consciência das camadas populares e fator de grande importância no processo de libertação dos pobres". Em outras palavras, essas pequenas comunidades cristãs, de 20 a 100 membros, eram consideradas um novo sujeito popular capaz de reverter a situação de pobreza, apontando para uma nova sociedade mais justa e fraterna.


Depois veio a abertura democrática e o fim da ditadura, houve a crise no Leste europeu e a queda do modelo socialista burocrático; houve a afirmação do capitalismo de corte neoliberal e também mais exclusão e pobreza. Foi na segunda metade dos anos 80 e nos anos 90 que as CEBs tiveram que repensar sua identidade.


Mais especificamente no interior da Igreja Católica, as CEBs queriam rever uma estrutura muito piramidal, de cima para baixo. Incentivadas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), vislumbraram uma maior participação dos leigos e um processo mais participativo de tomada de decisões. Ao redor da imagem de "povo de Deus", que foi caracterizada pelo Concílio, as comunidades sentiram-se parte ativa na construção do Reino de Deus.


Mesmo que se tenha certa dificuldade em encontrar traços homogêneos e constantes em todas as CEBs, há alguns elementos que, em geral, podem ser detectados.


O primeiro é a territorialidade, isto é, as pessoas de uma comunidade estão situadas num território geográfico específico. É muito fácil que se conheçam e que estabeleçam relações e contatos. "Base" significa propriamente essa concentração de pessoas num povoado ou num bairro. As experiências históricas mostram que, muitas vezes, foram essas comunidades que ajudaram a reivindicar serviços básicos, como água, luz e esgoto, e a reorganizar a vida do bairro.


O segundo é a leitura e a reflexão sobre a Palavra de Deus que é outro traço característico das CEBs. Muitas comunidades começaram como reuniões bíblicas que iluminavam a vida das pessoas. À medida que a vida comunitária se organizava, foi introduzido, também, o culto dominical ou a celebração da Eucaristia.


O terceiro é a participação e a discussão dos problemas em forma de assembléia que caracterizou muitas Comunidades de Base. A metodologia participativa incluiu a colaboração de todos na discussão, na solução e no encaminhamento concreto dos problemas. Se, por exemplo, o tema é o desemprego, há no final um compromisso concreto que é assumido por todos: preparam-se cestas com alimentos básicos que são distribuídas aos desempregados.


O quarto, que foi desencadeado por essa configuração mesma, é o crescimento e a emergência de ministérios leigos que foram se multiplicando a partir das exigências da comunidade: há ministros da Palavra, ministros da Eucaristia, ministros da pastoral da moradia, do trabalho, do menor. Muitos serviços englobam mulheres e homens em clubes e pequenas organizações: hortas comunitárias, clubes de mães, alfabetização de adultos e, muitas vezes, grupos de sustentação dos movimentos populares.


Esses serviços destacam o compromisso das CEBs com os mais pobres e a relação conseqüente entre fé professada e vida concreta. É propriamente o compromisso com as camadas mais desfavorecidas da população que tornou as CEBs profundamente ativas no campo social. O pobre não é visto como problema, mas como solução no processo de construir uma nova sociedade.


Mais vivas do que nunca, as CEBs têm assento e coordenação nacional na CNBB e continuam preparando e fazendo com enorme entusiasmo suas reuniões ampliadas e seus encontros intereclesiais.


As CEBs da diocese de Itabira nos oferecem seus dez mandamentos como subsídio para nossa própria vida e para que nos sintamos sempre mais unidos a esse novo modo de ser da Igreja que elas representam:

01 - Amarás ao Deus da vida com único e libertador.

02 - Construirás permanentemente a sociedade igualitária como única forma de gerar vida e liberdade para todos.

03 - Cultivarás de geração em geração, a certeza de que é a partir dos pobres que se resgata a vida em abundância para todos.

04 - Formarás comunidades à luz da Palavra de Deus, fiéis à oração, à prática da partilha e à solidariedade.

05 - Respeitarás a individualidade de cada pessoa, seu credo, sua história e sua cultura.

06 - Denunciarás todas as formas de exclusão, injustiça e agressão à vida.

07 - Respeitarás a natureza como primeira linguagem da revelação de Deus.

08 - Construirás uma relação de igualdade entre homens e mulheres, rejeitando qualquer tido de discriminação.

09 - Cultivarás a memória dos mártires que tombaram na caminhada de luta pela libertação.

10 - Continuarás a formação do Povo de Deus, iniciada pelo pai Abraão, assumida pelos profetas, por Jesus Cristo e seus seguidores.


Maria Clara L. Bingemer é Teóloga.
Escrito em 2003.

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