7 de mar. de 2007

Posição da Via Campesina sobre o agro-combustível


Caros amigos e amigas do MST,

O MST esteve em Mali, na África, como parte de uma delegação de 12 representantes de movimentos camponeses e entidades ambientalistas brasileiras, somando-se aos mais de 600 dirigentes de todos os continentes, além de cientistas, ambientalistas, militantes do movimento de mulheres e de diversas outras organizações e entidades, para debater os problemas relacionados à defesa da soberania alimentar em cada país.

Aprofundou-se no Fórum Mundial Pela Soberania Alimentar o debate sobre a necessidade de os movimentos sociais em todo o mundo priorizarem a luta em defesa da produção de alimentos e da soberania alimentar de cada povo. Essa luta envolve também um combate amplo à ofensiva do capital internacional sobre o campo, principalmente na questão do controle dos agro-combustíveis.

Isso porque há uma aliança que unificou os interesses de três grandes setores do capital internacional: a) as empresas petroleiras; b) as corporações transnacionais que controlam o comércio agrícola e as sementes transgênicas c) e as empresas automobilísticas. O único objetivo é manter o atual padrão de consumo do primeiro mundo e as altas taxas de lucro de suas empresas transnacionais.

1. Objetivo das transnacionais e do presidente Bush:

Convencer os governos do hemisfério sul a utilizarem seu território na produção de energia, a partir de produtos agrícolas, com o objetivo de manter o padrão de consumo do “american way of life” no primeiro mundo. A energia vegetal que está dentro dos grãos, na forma de óleo, ou de árvores, é na verdade uma metamorfose agro-química da energia solar. Depois, através do óleo vegetal ou do álcool, se transforma em combustível.

Por isso eles precisam dos países do sul, de maior incidência anual da energia solar e que ainda possuem áreas de terra agricultáveis disponíveis para produção de vegetais oleaginosos como girassol, milho, soja, amendoim, feijão-manso, palma africana ou dendê, ou para produção de álcool a partir da cana-de-açúcar, do milho e de árvores.

Por outro lado, querem impor a produção em monocultivo e, no caso da soja e milho, combinar com sementes transgênicas, o que lhes garantiria um mercado de sementes, de agrotóxicos e ainda a cobrança de royalties para suas empresas transnacionais.

Eles querem apenas lucro e não se importam com a situação do meio ambiente, o aquecimento global e com a vida dos trabalhadores rurais. Resolveram fazer essa ofensiva na produção de energia renovável, para se livrar da dependência de importar petróleo de países agora com governos nacionalistas, como Venezuela e Irã.

Além disso, existe hoje uma enorme instabilidade política na Nigéria, Angola e Arábia Saudita que também são fornecedores dos Estados Unidos e da Europa. Sem falar do fracasso da invasão do Iraque, que também é fornecedor desse combustível.

2. Posição dos movimentos camponeses em todo mundo:

Não podemos chamar esse programa de biocombustível e muito menos de biodiesel. A expressão “bio” que relaciona energia à vida, de forma genérica, é uma clara manipulação de um conceito que não existe. Devemos adotar sim, em todos os idiomas, o conceito de agro-combustíveis. Ou seja, energia gerada a partir de produtos vegetais oriundos da produção agrícola. Embora reconheçamos que o prefixo agro, ainda é muito genérico, e nossos cientistas estão estudando um novo conceito mais preciso.

Concordamos que o uso de agro-combustível é mais adequado para o meio ambiente do que o petróleo. No entanto, ele não afeta a essência do problema da humanidade, que é a atual matriz energética e de transporte, baseado no uso de veículos individuais. Defendemos a substituição radical da atual forma consumista e poluente de transporte individual, pelo transporte coletivo, através de trens, metros, bicicletas, etc.

Não aceitamos que esse plano use produtos agrícolas destinados atualmente à alimentação humana, como milho, soja, girassol, etc., para transformá-los em energia para automóvel.

Mesmo no caso da produção necessário do agro-combustível, devemos produzi-lo de uma forma sustentável. Ou seja, combatemos o atual modelo neoliberal de produção em grandes fazendas e na forma de monocultivo desses produtos. O monocultivo em grande escala é prejudicial ao meio ambiente e expulsa mão-de-obra do campo.

A monocultura afeta o aquecimento do planeta, pois destrói a biodiversidade e impede que a água e a umidade das chuvas se mantenham em equilíbrio com a produção agrícola. Além disso, faz uso intenso de agrotóxicos e máquinas.

Podemos produzir energia, combustível, a partir de produtos agrícolas, porém cultivados de forma sustentável, em pequenas e médias dimensões, que não desequilibrem o meio ambiente e que representem uma maior autonomia dos camponeses no controle da energia e no abastecimento das cidades.

Condenamos veementemente a iniciativa do governo de George W. Bush, que nos próximos dias visita os governos do Brasil, Colômbia, Guatemala para cooptá-los e seduzi-los a multiplicarem a produção de álcool para exportarem aos Estados Unidos.

Em troca, os capitalistas estadunidenses dos três grandes setores do capital exigem o direito de comprar e/ou instalar dezenas de novas usinas de álcool em todo o continente, sendo que propuseram a construção de 100 novas usinas apenas no Brasil.

Para viabilizar esse plano, o governo Bush propõe que se crie uma nova mercadoria internacional, uma “commoditie energética” do álcool, que não seria considerada agrícola para fugir das atuais normas da Organização Mundial do Comercio (OMC).

A Casa Branca propõe também que Brasil, Índia e África do Sul, entre outros, negociem um novo padrão tecnológico comum, para o etanol, seja de milho, de cana ou de árvores. Assim, haveria uma fórmula aceita internacionalmente, formando uma nova Opep de energia agrícola para controlar o comércio mundial.

Um possível sucesso desse plano estadunidense seria uma tragédia para agricultura tropical, transformaria grandes extensões de nossas melhores terras em imensos monocultivos, eliminaria ainda mais a biodiversidade e a produção de alimentos, apenas para abastecer seus carros. Expulsaria milhões de trabalhadores do campo em todo mundo, que se amontoariam ainda mais nas favelas das metrópoles.

O debate e a luta estão apenas iniciando. Esperamos que as organizações sociais possam reagir e que os meios de comunicação possam informar sobre essas questões, que são fundamentais para o futuro de nossos povos.

Por isso, durante as atividades do dia 08 de Março, as mulheres trabalhadoras do campo e da cidade levantam a bandeira da “Luta por Soberania Alimentar, Contra o Agronegócio”, contra as transnacionais que atuam no campo e em defesa dos trabalhadores e da biodiversidade. Soma-se a pauta, o fato de o representante maior do imperialismo, o senhor George W. Bush, desembarcar em território brasileiro nos próximos dias, fomentando ainda mais a luta contra o neoliberalismo.

Secretaria Nacional do MST.

6 de mar. de 2007

As dores do parto da humanidade


Em vários países dos cinco continentes, os povos vivem um ambiente de ressaca pós-eleitoral. Para nós, brasileiros, que dispomos apenas notícias geradas por agências internacionais do Ocidente, é difícil avaliar o resultado das eleições do domingo passado no Afeganistão, nas regionais da Venezuela e no Uruguai que, pela primeira vez na história, terá um presidente, até aqui considerado de esquerda.

A derrota do PT em São Paulo, Porto Alegre, Curitiba e Goiânia permite reações divergentes, de acordo com a ótica ideológica de quem faz a análise. Os iraquianos nem tiveram tempo de viver a ressaca dos norte-americanos, sofridos com o mecanismo autoritário e pouco democrático do império. Menos de uma semana depois de reeleito, Bush já ordenou novos bombardeios sobre Faluja (Iraque) e declarou aos cubanos yankees de Miami que o próximo passo é "libertar" Cuba. Isso provocou reações dos presidentes latino-americanos reunidos no Rio de Janeiro e do presidente Chirac, eleito na França como homem de "direita". Com a mesma discrepância de visões, o mundo assiste ao que parece ser a partida definitiva de Iasser Arafat. Este homem, desde jovem, obteve o respeito da ONU e de personalidades tão diferentes como o presidente Carter, o papa João Paulo II e a comissão internacional que o considerou digno de receber o prêmio Nobel da Paz, por sua vida totalmente dedicada à sobrevivência do seu povo e pela coragem com que, durante anos, arriscou a vida até conseguir o mínimo reconhecimento do Estado Palestino. Até hoje, sem terra e sem ver respeitados os justos direitos de autonomia política e liberdade, o Estado Palestino ainda é um sonho a ser conquistado pela humanidade.

Um jovem leitor do "O Popular" escreveu perguntando: "Diante da permanente vitória do dinheiro e da discreta ou indiscreta corrupção e aliciamento do povo mais pobre e menos informado, como manter a esperança de transformar este mundo injusto?".

Neste espaço, procuro, semanalmente, conversar com os leitores como irmão em humanidade, e não a partir de algum título religioso que não seria compreensível a todos. Não acredito que a nossa esperança de transformação da história possa se basear em uma mera análise objetiva da realidade do mundo. Este estudo sociológico e político é importante e tem de ser permanentemente refeito para evitar ilusões vazias e decepções terríveis. Mas não basta para fortalecer a esperança. A Bíblia diz, sobre o patriarca Abraão, que ele "esperou contra toda esperança". Creio que a confiança que podemos sempre acalentar de um mundo melhor e mais justo nasce da certeza da força do amor, presente em cada ser humano. Apesar de tudo, esta capacidade humana de amar nunca está totalmente ausente das estruturas do mundo. Em meio a muita gente que perdeu sua humanidade ou a vende por um bom dinheiro, há sempre pessoas que se mantêm fiéis ao que o livro do Apocalipse chama de "primeiro amor da sua juventude"; ou seja, a sua coerência fundamental. É a experiência que sempre tenho, por exemplo, cada vez que encontro o professor Pedro Wilson, desde que o - atual prefeito de Goiânia, pelo PT e derrotado nestas eleições pelo "coronel" Íris Rezende do PMDB - conheci e tive o privilégio de ser seu professor de Bíblia, nos idos de 70, no curso de teologia para leigos da arquidiocese de Goiânia. Atrevo-me a dar aqui este testemunho porque nem sou eleitor de Goiânia. Nesta caminhada que ele e tantos de nós fazemos em comum por "uma terra nova e um céu novo", aprendemos que o "Reino de Deus" da Bíblia, é o que a maioria da humanidade aprendeu a reconhecer como "utopia".

Em um conto de Eduardo Galeano, li o diálogo:

- Você está sempre no horizonte, disse Fernando Birri. Quando eu consigo me aproximar de você, dando dois passos à frente, você parece que também dá dois passos à frente e se mantém longe. Faço um esforço enorme e caminho dez passos, mas o horizonte se desloca, ao mesmo tempo, dez passos. Parece que, por mais que eu caminhe, nunca chegarei onde você está. Para que serve, então, a utopia?

- Serve, justamente, para isso: estimular você a caminhar.

Esta força que chamamos de "utopia", no plano da fé, pode-se denominar "mística do Reino de Deus": o alimento para as nossas mais radicais esperanças de transformação do mundo e de nós mesmos.

Em sua época, o filósofo judeu Emanuel Levinas se perguntava: "Como sair deste grande Auschwitz cultural no qual o mundo tem se transformado?" (Auschwitz foi um dos piores campos de extermínio, perpretado pelos nazistas contra judeus, comunistas e homossexuais). Se o mestre Levinas tivesse vivido na América Latina, na Palestina ou na África, teria sabido que, infelizmente, este permanente Auschwitz não é só cultural, mas se traduz no apartheid econômico e social. É humano.

Todo mundo lamenta que exista tanta gente vivendo abaixo da linha da pobreza, mas, no fundo, muitos consideram isso "natural"? A própria ONU faz planos para erradicar a miséria, mas prometem apenas reduzir a pobreza 50% (como se bastasse) e isso mesmo a partir de 2.015. A intuição fundamental de Levinas é que só se encontrará saída para esta desorganização estrutural do mundo se para nós a prioridade for a humanidade e a dignidade do outro. Muitos poderosos e líderes da sociedade civil aceitam que a extrema pobreza continue existindo. No fundo, pensam em si mesmos e não no outro como prioridade de sua vida.

Muitos católicos e evangélicos não percebem que o desrespeito aos diretos humanos, sofrido por uma única pessoa, atenta mais contra o plano de Deus do que todas as regras moralistas que eles, em nome de Jesus, inventam para suas Igrejas.

Tanto para o mundo como para cada um de nós, só existe salvação a partir do encontro com o rosto e a realidade do outro. Esta utopia podemos viver desde já. Ela faz com que, ainda se sofremos as mais duras derrotas, elas não nos provocarão ressaca de lutar, porque as receberemos, não como frutos do acaso, e sim como dores de parto de uma humanidade nova.

Irmão Marcelo Barros, Monge beneditino e autor de 26 livros.

5 de mar. de 2007

Superar o machismo e protagonizar a mulher


No dia 08 de março o mundo comemora o Dia Internacional da Mulher. Muitos e muitas também estarão refletindo este evento tão necessário, tão sublime nesta data que considero ser um momento especial para relembrarmos do valor e da resistência ativa e profética das mulheres em nossa sociedade. Esta reflexão quer ser mais uma das tantas que foram escritas para identificar o papel importante das mulheres na sociedade que ainda buscam os espaços necessários para uma real efetivação enquanto protagonistas de uma história marcada por dores e cruzes.

Desde que as sociedades humanas passaram do período neolítico para o paleolítico, as mulheres tornaram-se uma espécie de extensão dos homens. Nisso muito contribuiu a formulação de doutrinas religiosas que exterminaram os direitos básicos de toda e qualquer mulher. A mulher nem sempre foi tratada na história da humanidade como submissa do homem. Em algumas sociedades, a mulher exercia o caráter matriarcal de defender a comunidade e a tribo, o que nos faz refletir que existiram momentos onde a mulher exercia a chefia da comunidade. Mas, com o tempo e, principalmente, com o início das religiões monoteístas, as sociedades passaram a identificar a semelhança entre Deus (Ser Divino) com o homem-masculino (Ser humano). O papel da mulher é então reduzido ao ato da procriação. Podemos perceber este dado histórico a partir de duas características fundamentais, a saber: a visão da mulher na religião judaica (principalmente, com a criação do Código das Leis) e depois no cristianismo, bem como a visão da mulher nos escritos gregos antigos, onde filósofos como Platão e Aristóteles, entendem que a mulher, o escravo e as crianças são como extensões do senhor (pai), sendo o senhor o único considerado cidadão da polis pela sociedade.

São essas duas visões que permanecem na história e que se tornaram presentes no inconsciente popular. Por um lado, a religião que sempre viu a mulher como símbolo da tentação (a Eva que tenta Adão a comer o fruto do paraíso), associada à serpente que tenta o homem em seus mais íntimos desejos. A mulher, bem antes da era cristã, durante toda a Idade Média, até metade do século XX, não havia conquistado seu espaço de direito na sociedade. O Dia Internacional da Mulher foi promulgado diante das atrocidades cometidas contras as operárias nos Estados Unidos e na Europa e com a morte de algumas centenas. Penso que outros e outras já tenham escrito sobre a história do porquê dessa data.

Durante este período histórico onde o papel da mulher era o de formar uma família para seu senhor e de ser procriadora de filhos (as) o homem exercia o seu poder de mandatário na sociedade, na família e nas instituições religiosas. Ainda temos situações onde a Mulher não conseguiu seu espaço, não conseguiu penetrar para ser também protagonista e sujeita da história. Mas todas se calaram? Não, sempre surgiram vozes no deserto. De Maria a Joana D’Arc, de Edith Stein a Rigoberta Menchú, de Margarida Alves a Irmã Dorothy Stang entre muitas outras que na história ousaram enfrentar o poder absolutista de homens caídos na cegueira e na paralisia de um mundo machista.

Hoje, ainda temos muito a conquistar. Ontem, dia 07 de março, o MST ocupou o INCRA em Goiânia. Muitas mulheres estão ali. Algumas conhecemos dos acampamentos e assentamentos nos quais desenvolvemos atividades da Comissão Pastoral da Terra. Uma das ocupações realizadas no dia de hoje no estado de Goiás foi realizado por uma frente de Mulheres Camponesas que estão reivindicando terra e mais dignidade nos assentamentos já estabelecidos.

Recentemente conheci muitas companheiras mulheres de luta, de fibra, de garra. A Dalva, mãe de Patrícia e do Paulo e de mais dois meninos pequenos (sementes de um novo tempo), uma potiguar que luta para criar seus quatro filhos sozinhos, sem ajuda de ninguém, a não ser dos companheiros (as) de acampamento. A Cida, militante, guerreira, coordenadora do Setor Educação no Pré-Assentamento “Gustavo Martins” em São Miguel do Araguaia, que mesmo nas dificuldades do dia-a-dia consegue encontrar forças para ajudar a todos e todas sem distinção e hoje está no INCRA nesta profética ocupação do MST. Irmã Socorro, religiosa, humilde, educadora a partir dos saberes populares, líder e mestra da Pastoral da Criança, exemplo de vida e dedicação para com os excluídos (as), uma semente viva do jeito de ser das nossas Comunidades Eclesiais de Base. Seu sorriso nos cativa e seu choro nos emociona, sua alegria nos dá esperança e sua tristeza nos faz pensar sempre nos pequenos e desprotegidos da sociedade. Dona Ana, que conheci há uma semana do P.A. (Projeto de Assentamento) Campo Alegre, católica, mãe, assentada, rezadeira, uma flor da esperança aos mais jovens. Seu acolhimento de mulher nos ensina sempre. Enfim, muitas outras, que também passam pela vida da gente e deixa o seu olhar, a esperança de um mundo diferente. E como não falar de uma jovem bela mulher chamada Sulamita, filha de mãe sem-terra, recém-chegada em terras do Araguaia, cantora, tocadora de violão, alegre, sorriso jovial, com um rosto de menina já sofreu fortes depressões diante da perda da visão que a cada dia vai aos poucos a deixando uma “deficiente visual”, mas, jamais incapacitada de exercer aquilo que mais gosta, cantar, cantar e cantar a beleza da vida. Tornou-se uma companheira de vida nas andanças missionárias pelos Assentamentos e comunidades rurais. Um símbolo de resistência que nos diz e ensina que a vida se enxerga em atos concretos do cotidiano como bem afirma a CF 2006.

Sabemos que o Dia Internacional das Mulheres não esgota a comemoração e a importância da Mulher num único dia. Todos os dias são dias dedicados às mulheres e também aos homens. Em 1989, a Campanha da Fraternidade refletia acerca da Mulher e do Homem como imagens vivas de Deus, o Deus da Vida. O Dia 08 de março representa ainda a busca por respeito, dignidade e igualdade de relações humanas entre o homem e a mulher. Ainda não conseguimos superar o espírito do machismo presente em muitos setores da sociedade e que parecem não querer ver e enxergar que os tempos são outros, os tempos mudaram.

Na família, deve-se superar o espírito patriarcal e estimular a relação fraterna entre o pai e a mãe, o homem e a mulher, o filho e a filha. Na sociedade, a mulher deve ser respeitada enquanto cidadã que também se encontra excluída de um sistema que promove relações machistas de poder. Isso pode ser verificado na baixa quantidade de mulheres no exercício do poder e no tratamento às mulheres como sendo objetos descartáveis de prazer sexual para os homens o que aumenta consideravelmente a prostituição infantil, juvenil e feminina tornando a mulher marginalizada neste sistema. E, também, na Igreja, onde ainda se mantêm relações ambíguas entre homens e mulheres onde o exercício dos ministérios se afirma na figura do religioso homem. Pierre Bordieu, sociólogo francês, já alertava na década de 70 acerca dessas relações que acabam construindo imaginários simbólicos na mentalidade popular que passa a ver a mulher como não-sagrado e que o homem, por exercer o ofício sagrado, torna-se o único e legítimo representante de Deus Pai, pois até mesmo Ele é identificado enquanto ser masculino. Evidentemente, temos avanços, mas outros se tornam necessários diante do tempo histórico em que vivemos. Na verdade, precisamos reencontrar o equilíbrio dialógico entre o ser masculino e o ser feminino.

O Dia da Mulher quer ser o dia de repensar a caminhada social, política, cultural, econômica e religiosa dessa sociedade que apresenta algumas pequenas mudanças no cenário das questões de gênero, mas que continua sacralizando o Macho enquanto expressão de um Poder Totalitário o que contribui para a formação de uma sociedade desigual. A mulher não pode ser vista somente como símbolo de desejo, de procriação e uma submissa ao poder do homem. As mulheres continuam sendo chamadas a romperem com todas as formas de correntes que as aprisionam e as tornam objetos de prazer, de escravas do lar, do trabalho sem dignidade etc. Sem dúvida, a meta continua sendo superar o machismo em todas as esferas da sociedade e protagonizar as mulheres enquanto sujeitas de uma história escrita há muito tempo por elas, mas que não é contada, pois se trata de um conto a partir das dominadas. Que o conto se torne canto, encanto e profecia.

Claudemiro Godoy do Nascimento

4 de mar. de 2007

Teologia da Libertação: sempre ativa


O 4º. encontro nacional do Movimento Fé e Política ocorrerá em Londrina (PR), no primeiro fim de semana de dezembro, dias 4 e 5. O tema, "Utopias da fé, realidades da política". Entre os palestrantes estarão Leonardo Boff, dom Tomás Balduíno, Patrus Ananias, João Pedro Stédile e Gilberto Carvalho.

O primeiro encontro, em dezembro de 2000, reuniu em Santo André (SP) 3 mil participantes. O segundo, em março de 2002, atraiu a Poços de Caldas (MG) 4,5 mil militantes. O terceiro, ano passado, contou com a presença de 7 mil pessoas em Goiânia.

O Movimento Nacional Fé e Política visa propiciar aos cristãos engajados na política, como detentores de mandatos ou não, um espaço de reflexão de suas atividades à luz da fé, dos valores evangélicos e dos desafios dessa realidade marcada pela crescente pobreza. Mais informações e inscrições: mov.fepolitica@uol.com.br ou feepolitica@feepolitica.com.br tel: (43) 3356-0033.

Outro evento importante será o Fórum Mundial de Teologia e Libertação, que se reunirá em Porto Alegre (RS) de 21 a 25 de janeiro de 2005, semana anterior ao Fórum Social Mundial. Mais de 200 teólogos dos cinco continentes estarão debatendo a proposta de "outro mundo possível" a partir da experiência da fé e da reflexão teológica. Apesar de vozes em contrário, a Teologia da Libertação permanece viva, pois infelizmente seu pólo de sustentação se dilata: a pobreza que ameaça 2/3 da população mundial. Temas que apenas os teólogos da libertação abordavam há vinte anos - como caráter da globalização, dívida externa, neocolonialismo etc. - hoje são freqüentes nos pronunciamentos do papa sobre questões sociais.

O evento de Porto Alegre terá como objetivo revelar que, em todo o mundo, comunidades pobres, fortalecidas pela fé, prosseguem lutando por libertação, suscitando novos desafios à teologia e à política. Nessa época em que o Planeta se transformou numa pequena aldeia, graças aos meios de comunicação, já não se esperam parciais libertações geográficas. Agora estamos todos num único sistema, o capitalismo neoliberal, sob a hegemonia de uma única potência, os EUA. Ou nos salvamos todos ou ficamos todos submetidos ao jogo cruel da acumulação privada do capital.

Se a libertação tem que ser mundial, a teologia também precisa estar internacionalmente articulada. Até porque a fé dos povos se expressa em categorias distintas e, muitas vezes, antagônicas em seus significados, o que permite fazer da religião também um meio de opressão. Não se trata, porém, de pretender uma única visão religiosa globalizada, e sim de intensificar o diálogo inter-religioso, de modo a explicitar o potencial libertador das diferentes matrizes religiosas. Por isso, o Fórum Mundial de Teologia e Libertação será macroecumênico.

O evento terá dois momentos distintos. O primeiro, uma apresentação de como andam os movimentos libertadores e a Teologia da Libertação nas diferentes regiões dos cinco continentes. Isso implica teologias feministas, indígenas, afro-americanas, ecológicas etc. Assim, os participantes deverão apresentar breve balanço dos movimentos de libertação e da reflexão teológica em suas respectivas regiões; os diferentes enfoques teológicos (gênero, etnia, cultura, político-econômico, diálogo inter-religioso etc.); implicações das práticas teológicas (sujeitos, crises, dificuldades etc); informações sobre as comunidades que produzem teologia; e as perspectivas globais apontadas pelas variadas óticas teológicas.

O segundo momento será de adequação do tema geral do FSM, "outro mundo é possível", à esfera teológica, centrada em quatro temas: 1) Outro mundo é possível (análise da conjuntura global); desafios do mundo atual à teologia; o lugar e a possibilidade da utopia hoje; 2) Deus para outro mundo possível (linguagens e imagens sobre Deus; Deus e gênero; Deus, tradições etnoculturais e universalização); 3) Religião para outro mundo possível (crises das religiões, busca de fundamento e fundamentalismo); religião e mercado; religião e poder político; Teologia para outro mundo possível (o Deus de todos os nomes e o diálogo inter-religioso); por uma ética mundial; o lugar da teologia em outro mundo possível.

Informações e inscrições: www.pucrs.br/pastoral/fmtl ; e-mail: fmtl@pucrs.br
E de 19 a 23 de julho de 2005, teremos em Ipatinga (MG) o 11º. Encontro nacional (intereclesial) das Comunidades Eclesiais de Base. O tema é "Espiritualidade libertadora" e o lema "Seguir Jesus no compromisso com os excluídos". Toda essa agenda demonstra que a Teologia da Libertação permanece viva e ativa.

Frei Betto, dominicano. Escritor.