Olhando a partir da perspectiva do entusiasmo popular, podemos dizer que a visita do Papa ao Brasil foi um grande sucesso. Ainda que não possua a irradiação carismática de seu antecessor, a figura de Bento XVI, naturalmente contida, aqui se mostrou desinibida em contato com o
entusiasmo dos fiéis.
A figura do Papa é um símbolo poderoso que evoca arquetipos ancestrais do grande pai, do sábio e do pastor que dispõe de poderes sobrenaturais. Arquetipos desta magnitude chegam à profundidade das pessoas e mobilizam fortes sentimentos.
Mas, que modelo de catolicismo o Papa promove? É notório que no Brasil persistem dois tipos de catolicismo: o devocional e o do compromisso ético. O primeiro tem um cunho popular centrado na devoção dos santos, na oração e nas peregrinações, e hoje, em sua forma moderna, na
dramatização midiática com forte conteúdo emocional.
O catolicismo do compromisso ético se inspira na ação católica e nas pastorais sociais e culmina com a teologia da libertação. Este modelo requer mediações socioanalíticas porque está interessado, a partir de sua perspectiva espiritual, na transformação social.
Qual deles é o mais apropriado para uma nação que deve revisar sua antihistória, herdada do colonialismo, do etnocídio indígena, do escravismo e da moderna dependência dos centros metropolitanos?
A resposta depende do nível de consciência alcançado pelos católicos. Creio que o catolicismo devocional não tem potencialidade de transformação social, por estar voltado sobre si mesmo; ao passo que o outro articula constantemente fé, justiça e evangelho com compromisso de libertação.
Vistas a partir deste enfoque, as intervenções do Papa foram em crescendo até fazer-se explícitas no encontro com os bispos em Aparecida. No começo, procurou manter-se equidistante entre os dois modelos, mas terminou reforçando o devocional, já que as aberturas ao social foram mais esboçadas que afirmadas.
Há em Bento XVI um tom fundamentalista quando fala da centralidade de Cristo até nos assuntos sociais que, seguramente, dificultará o diálogo interreligioso; é uma teologia sem o Espírito, pois tudo se reduz a Cristo, o que na teologia se denomina de cristomonismo - a "ditadura" de Cristo na Igreja -, como se o Espírito também não estivesse presente, a Ele que vemos na história e nos processos sociais suscitando verdade, justiça e amor.
O que o Papa disse sobre a primeira evangelização no Brasil, como um encontro de culturas e não uma imposição e alienação não se sustenta historicamente. A colonização e a evangelização foram parte de um mesmo projeto, que significou um dos maiores genocídios da história. Não esqueçamos o testemunho do texto sacro maia, o Chilam Balam: "Entre nós se introduziu a tristeza, se introduziu o cristianismo, o princípio de nossa tristeza e de nossa escravidão; vieram matar nossa flor, a castrar o sol".
Condenar como "utopia e retrocesso" a vontade de resgatar tais religiões, com sua sabedoria ancestral, equivale a um insulto aos indígenas e um desalento aos esforços de tantos missionários que apoiam estas iniciativas.
É teologicamente frágil a tese de que Deus é explicitamente imprescindível para construir uma sociedade justa. Os Estados Pontifícios desmentem esta tese. A Espanha de Franco e a Portugal de Salazar louvavam publicamente Deus e não deixavam de torturar e condenar a morte. O que faz falta é um consenso ético e uma abertura à transcendência, deixando aberta a definição do conteúdo, como acontece com os Estados modernos. Estas insuficiências teóricas fazem com que o discurso papal deslize para o moralismo e o espiritualismo.
E melancolicamente repete a cantilena: não aos contraceptivos, não ao divórcio, não aos homossexuais, não à modernidade, sim à família tradicional, sim a uma rígida moral sexual, sim à disciplina. Tantos "não" tornam a sua mensagem antipática, como se não houvesse temas mais
urgentes.
Estes discursos expressam uma "razão indolente", categoria analítica criada pelo pensador português Boaventura de Sousa Santos. Indolente é a razão que não capta os desafios relevantes do presente e que não aproveita as boas experiências do passado.
Há silêncios significativos nos discursos do Papa: apenas uma única vez se referiu às comunidades eclesiais de base, uma vez à opção pelos pobres, uma vez à libertação, nunca à teologia de libertação e às pastorais sociais, nunca ao gravíssimo problema do aquecimento global. Ao contrário, retrocede aos anos 50 do século passado com o discurso tradicional e ambíguo da caridade e da assistência aos pobres. Esses silêncios são uma forma de negar e ocultar.
A razão indolente, própria de grandes instituições como a Igreja, é um modo de razão míope que se concentra no próximo e descuida do distante, ou de uma razão prejudicial que não busca caminhos novos e sempre volta aos antigos (mais catequese, mais celibato, mais obediência, mais adesão ao magistério), ou de uma razão arrogante, quando insiste na Igreja como a única verdadeira, ou de uma razão antiutópica, por não suscitar um horizonte de esperança e por acreditar que o futuro é a mera prolongação do presente.
O Papa não adverte os novos temas centrais, que têm a ver com a discussão sobre a missão da Igreja em si, mas com o futuro da Terra e da humanidade e com examinar em que medida a missão do catolicismo pode ajudar a assegurar o porvir, sem a qual nada se sustenta.
O catolicismo brasileiro e latino-americano, para estar à altura dos tempos atuais, exige a coragem que tiveram os primeiros cristãos: abandonaram o solo cultural judaico de Jesus e se inseriram no solo pagão helenista. Dessa inserção nasceu o cristianismo atual, que é uma
expressão do Novo Testamento, não do Antigo.
Necessitamos agora de um catolicismo de rosto indio-negro-latino-americano que não esteja contra o romano, mas em comunhão com ele.
Leonardo Boff