19 de abr. de 2007

Entrevista de João Pedro Stedile ao Jornal Matriz

1- Há muito tempo o MST luta pela Reforma Agrária e ela nunca aconteceu de forma ampla. O que de fato é necessário para se implantar uma Reforma Agrária aqui no Brasil?

A luta pela reforma agrária no país não começou com o MST. Desde os trabalhadores escravizados, nos tempos de Brasil Colônia, quando foram construídos os quilombos, existe luta pela terra e pela reforma agrária no Brasil. O MST é apenas a versão atual da luta social do povo do campo. A reforma agrária não foi realizada até agora porque as classes dominantes são muito poderosas, e burras. Usam o domínio do Estado e das leis para acumular riqueza às custas dos trabalhadores e do futuro de toda a sociedade.

O país precisa de um programa de desenvolvimento nacional, que priorize a solução dos problemas do povo, por meio da distribuição da terra, criação de empregos, geração de renda, produção e fornecimento de alimentos e acesso a educação e saúde. A reforma agrária é apenas uma forma de dar uma resposta a esses problemas no interior do país. O Brasil precisa de um governo que se apóie nas forças populares e no povo organizado e mobilizado para fazer as mudanças necessárias.

2- Outros países já fizeram Reforma Agrária há muito tempo. O que significou isso para o desenvolvimento social e econômico destes países?

Todos os países considerados desenvolvidos atualmente fizeram reforma agrária. Em geral, por iniciativa das classes dominantes industriais, que perceberam que a distribuição de terras garantia renda aos camponeses pobres, que poderiam se transformar em consumidores de seus produtos. Assim, as primeiras reformas agrárias aconteceram nos Estados Unidos, a partir de 1862, e depois em toda a Europa ocidental, até a 1ª Guerra Mundial. No período entre guerras, foram realizadas reformas agrárias em todos os países da Europa oriental.

Depois da 2ª Guerra Mundial, Coréia, Japão e as Filipinas também passaram por processos de democratização do acesso a terra. A reforma agrária distribuiu terra, renda e trabalho, o que formou um mercado nacional nesses países, criando condições para o salto do desenvolvimento. No final do século 19, a economia dos Estados Unidos era do mesmo tamanho que a do Brasil. Em 50 anos depois da reforma agrária, houve um salto na indústria, qualidade de vida e poder de compra do povo dos Estados Unidos.

3- O presidente Lula sempre foi muito criticado por alguns setores da sociedade, antes de se tornar presidente, porque tinha relações com o MST. Como o senhor avalia a atuação do presidente no que diz respeito a este tema? O movimento se sente traído?

O MST é um movimento social autônomo de partidos, igrejas, sindicatos, governos e do Estado. Ao mesmo tempo, temos muitos amigos em toda a sociedade, como dirigentes das igrejas, partidos e sindicatos. O Lula sempre foi amigo do MST e defensor da reforma agrária. Isso é o Lula enquanto sindicalista e dirigente partidário. Por outro lado, o governo Lula é formado por uma composição de classes e ideologias.

A agricultura, por exemplo, é dominada pelos interesses dos latifundiários, do agronegócio e das empresas transnacionais. Os grupos políticos mais fortes, que compõem o governo Lula, são contra a reforma agrária. Também temos amigos em meio às forças dentro do governo que apóiam a democratização do acesso a terra, mas são minoritários. Nesse contexto, não adianta nem nos iludir nem ficar xingando o governo. Precisamos mesmo é organizar o povo, conscientizá-lo e estimular lutas para a conquistar da reforma agrária.

4- O Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária é comemorado neste mês por causa do Massacre dos Eldorados dos Carajás há 11 anos. O que aconteceu com aqueles que fizeram o massacre?

Infelizmente até hoje nenhum dos responsáveis pelo massacre foi condenado ou ficou pelo menos um dia na cadeia. Nós recorremos para anular os julgamentos, que estão há mais de quatro anos parados no STJ. Assim funciona o Poder Judiciário quando é para julgar e condenar os latifundiários e os mandatários de massacres contra o povo brasileiro.

O que é mais grave é que a impunidade não se restringe ao caso de Carajás. Segundo a CPT (Comissão Pastoral da Terra), que acompanha os casos de conflitos e assassinatos no campo, nos últimos 20 anos foram assassinados mais de 1.500 trabalhadores rurais, lideranças sindicais e ativistas. Do total, somente 80 foram a julgamento, sendo que mais ou menos 15 foram condenados. Dos condenados, cerca de cinco estão mesmo presos. Todos os demais casos ficaram impunes. No estado de Goiás mesmo foram raros os casos que foram julgados.

5- Por que, na sua avaliação, alguns setores da sociedade e da mídia têm um certo preconceito com os sem-terra?

Há um preconceito pregado pelos meios de comunicação, dos quais 80% está sob controle de sete grupos econômicos, que tem muito dinheiro, terra e vínculos com o agronegócio e os interesses da classe dominante. Todo dia a mídia publica matérias e apresenta programas contra os sem-terra. O pior é que não condenam só os sem-terra, mas todos os pobres que resolvem se organizar e lutar por seus direitos.

Os meios de comunicação demonizam também aqueles que apóiam os pobres, como intelectuais, políticos, padres, freiras e religiosos que se dedicam a ajudar na organização dos pobres. A Revista Veja, por exemplo, não pára de publicar matérias contra a CNBB. Com isso, os leitores desse panfleto têm uma visão deturpada do papel e da importância da entidade.

Apesar de tanta propaganda preconceituosa, o povo sabe quem está ao lado dele e quem não está. O MST só existe ainda porque o povo das cidades e do interior apóia a nossa luta. A mentira pode enganar durante algum tempo, mas não engana sempre, especialmente quando a causa é justa.

6- Mas também não existem alguns oportunistas no movimento?

A condição humana gera comportamentos pessoais de todo tipo. Existem oportunistas nos meios de comunicação, nas empresas, na Igreja e no Congresso. Há pessoas má intencionadas em todas as classes sociais. Por que apenas fazem um escândalo quando aparecem no meio dos pobres? E quantos malandros oportunistas estão entre os fazendeiros, os usineiros, políticos e juízes?

7- O que os cristãos e membros das comunidades católicas podem fazer para ajudar na luta pela Reforma Agrária?

A Igreja Católica no Brasil sempre teve um papel muito importante na conscientização e organização dos pobres do campo. Também teve um papel importante ao interpretar a realidade e denunciar a injustiça das desigualdades sociais a partir do Evangelho e da Bíblia.

As reflexões produzidas pela CNBB são uma referência para toda a sociedade, como o documento “Igreja e problemas da terra”, aprovado pela CNBB desde 1980. O que pedimos é que vocês continuem conscientizando os pobres sobre as causas da pobreza e as formas de libertação. Mostrem que a solução só vira de forma coletiva, por meio da organização e luta para que se resolva os problemas do país, como a concentração da terra. A terra, que é de todos, precisa ser dividida e, como diz um preceito do documento da confederação, a terra deve ser apenas de quem nela trabalha.

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