19 de abr. de 2007

Desenvolvimento: explorar ou emancipar?

O presidente Luis Inácio Lula da Silva iniciou este segundo mandato colocando ênfase no esforço pelo desenvolvimento econômico. Esta seria a marca de seu atual governo. Para tanto, deu ordens para que ministros, particularmente a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, se dedicassem integralmente à concretização de um pacote desenvolvimentista, que veio a ser chamado de PAC – Plano de Aceleração do Crescimento.
Depois de anunciado tal Plano, ainda no mês de janeiro de 2007, o presidente se dedicou à montagem do seu Ministério. Nele, coube uma boa fatia ao PMDB, partido tradicionalmente vinculado às oligarquias regionais e correia de transmissão de grandes interesses econômicos, particularmente de empreiteiras e outras empresas de grande porte.
O perfil do Ministério, tal como ficou definido, tornou-se uma espécie de contra-face política da decisão de cunho econômico consubstanciada no PAC e na ênfase no discurso desenvolvimentista.
A questão central que se coloca aqui é: qual desenvolvimento se busca? Para quem? Com quais objetivos? Com quais métodos? Com participação de quem? Com benefícios para quem?
O PAC já nasceu revelando a radicalidade da sua matriz ideológica: sem nenhuma participação da área social do governo federal, ou mesmo da área ambiental, o que seria óbvio numa perspectiva de uma visão de desenvolvimento com mera responsabilidade social e ambiental. Não teve também participação de uma área estratégica – do ministério do Desenvolvimento Agrário – que seria fundamental numa perspectiva de aceleração da Reforma Agrária como alavanca para a inclusão de milhões de famílias e de todo o campo brasileiro ao processo de desenvolvimento do país. Por último, mas não menos importante, o PAC não teve ouvidos para as implicações dos seus impactos nos territórios indígenas e quilombolas nem para os “efeitos colaterais” na vida de comunidades inteiras que neles vivem. Ou seja, o PAC obedece a um modelo de desenvolvimento de corte eminentemente econômico, onde estão refletidos direta e exclusivamente os interesses do grande poder econômico.
As análises do PAC, feitas por especialistas, vão desde enaltecer sua importância e futuras vantagens, passam por valorizar tal plano como uma carta de boas intenções bem arrumada, mas ainda sem substância, e vão até negar qualquer importância, qualificando-o como apenas um ajuntamento de projetos já existentes, tanto da iniciativa privada como da esfera governamental.

A crítica necessária

Com qual tipo de postura devemos construir nossa análise crítica desta iniciativa do governo Lula?
Em primeiro lugar, a partir do compromisso com os setores populares e com os povos indígenas. Em segundo lugar, a partir de uma visão de conjunto do PAC e da busca de compreensão de sua essência econômica.
Economia é política concentrada, segundo uma máxima marxista. Ou seja, o processo econômico a ser desenvolvido em eventual PAC será revelador de toda uma visão política sobre a sociedade brasileira s sobre seu destino. O PAC, tal como foi apresentado, revela a visão de um capitalismo concentrador e dependente, de nenhum modo se propõe democratizante e, muito menos, transformador. È um plano que tem como meta apenas reproduzir a sociedade brasileira atual, em suas imensas desigualdades sociais, projetando no futuro o mesmo país injusto e excludente, que conhecemos há mais de 500 anos.
Neste “plano estratégico” estão reservados 11 bilhões de reais para a Transposição do Rio São Francisco, projeto que tem sido repudiado pelos trabalhadores rurais, comunidades ribeirinhas, quilombolas e povos indígenas a serem atingidos e com os quais não houve um debate acerca dos seus impactos negativos e sobre alternativas viáveis, social e ambientalmente sustentáveis. O governo Lula havia se comprometido a realizar “um grande debate” com a sociedade brasileira e com aqueles diretamente afetados pela transposição, mas tal debate foi absolutamente esquecido, sendo mantido o projeto original, de cunho autoritário, elitista e tecnocrático.
Neste “plano estratégico” estão também reservados 275 bilhões de reais para obras de energia, vinculadas a petróleo e hidrelétricas. Entre as hidrelétricas, as usinas de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará; Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. Prazos previstos para o licenciamento destas três usinas já foram revistos diversas vezes, em função de falhas nos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e questionamentos judiciais protagonizados pelo Ministério Público. Tais hidrelétricas atingem diretamente comunidades tradicionais, ribeirinhos e povos indígenas, mas estes não são levados em consideração pelos projetos, mas vistos apenas como “entraves”, como discursou o presidente Lula diante de representantes do agronegócio.
Fora da órbita direta do PAC, mas como parte da mesma concepção capitalista e mercantil de “desenvolvimento”, temos o empenho do atual governo em aprovar um projeto de lei sobre mineração em terras indígenas, separado do Estatuto dos Povos Indígenas. Tal empenho revela, uma vez mais, o interesse do governo federal e das grandes empresas de mineração em saquear as riquezas existentes nos territórios indígenas e não em respeitar os direitos históricos dos povos indígenas sobre seu patrimônio.

Modelo alternativo de desenvolvimento

Qual seria o modelo alternativo de desenvolvimento que poderíamos propor e defender, a partir do compromisso com os setores populares e com os povos indígenas?
No fundamental, teria que ser um modelo que;
1. levasse em consideração as experiências históricas e as propostas dos setores populares e dos povos indígenas, no que diz respeito à melhoria de suas condições concretas de existência;
2. partisse da premissa básica do respeito integral aos direitos dos povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e ribeirinhos aos seus territórios, ao seu patrimônio e a suas formas de produção e de relacionamento com a natureza;
3. tivesse como pressuposto a participação organizada destes setores na própria concepção do modelo de desenvolvimento, na sua implementação, acompanhamento, avaliação sistemática, possíveis mudanças e eventual redirecionamento e
4. contemplasse, em sua matriz ideológica, a junção do saber tradicional dos setores populares e dos povos indígenas com o saber científico, na busca por um desenvolvimento centrado na integralidade das pessoas, das comunidades e da natureza , projetando um país politicamente democrático, economicamente justo, socialmente eqüitativo e solidário, culturalmente plural e ambientalmente sustentável.
Aos setores populares e aos povos indígenas interessa um modelo de desenvolvimento que signifique sua real emancipação econômica, social e política, alicerçada em seu próprio protagonismo e numa concepção radicalmente democrática de sociedade e de seu controle sobre o Estado e suas instituições.
Paulo Maldo
Assessor Político do Cimi

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