21 de fev. de 2007

Tempos de Pós-Neoliberalismo ou Acomodação Social?


Muitos autores, entre eles Emir Sader, estão anunciando uma nova fase na humanidade: o pós-neoliberalismo. Este anúncio se deve aos novos acontecimentos que estão acontecendo no mundo, principalmente, com a formação de novos espaços políticos e econômicos que avançam em direções contrárias ao pragmatismo do FMI e do Banco Mundial.

Sabemos que os últimos anos da década passada, final do séc. XX, as nações entraram no surto que se alastra por todo o planeta ainda hoje, denominado de mundialização, globalização ou se quisermos politizar a questão, neoliberalização das relações nacionais e internacionais. Tal concepção tornou-se hegemônica dos anos 90 até nossos dias buscando incentivar a economia e seu crescimento por meio da reativação do capitalismo. Nestas condições faz-se necessário compreender o neoliberalismo como instrumento político que busca redefinir o papel da sociedade e das relações entre sociedade civil e sociedade política.

O capitalismo produziu o neoliberalismo como movimento ideológico em escala mundial. Isto fica bem claro nas palavras de Perry Anderson: “Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua margem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional”.

A partir de uma concepção weberiana, pode-se chamar o neoliberalismo de “novo credo” que busca pregar e dogmatizar ideologicamente a verdade de um Estado Mínimo obviamente sem afirmar tal absurdo com tanta veemência. As características principais do novo credo são, portanto, a desestatização e suas conseqüências drásticas, entre elas, a mais dura é a perda da soberania nacional.

O neoliberalismo é um fenômeno distinto do velho liberalismo clássico do séc. XIX. Nasce com o intuito de combater o Estado Intervencionista ou de Bem-Estar Social. F. Hayek (um dos maiores teóricos do novo credo) já afirmava que o Estado de Bem-Estar destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência. Seu pensamento se baseia na possibilidade de crescimento e aceleração da economia por meio da valorização sem precendentes da desigualdade social. Valorizar a desigualdade significa legitimar a fome, a miséria, a doença, o desemprego estrutural, o analfabetismo, enfim, significa na concepção de Hayek legitimar e perpetuar tais desigualdades para que a sociedade possa perceber o crescimento da economia.

Dois momentos históricos são marcos para que possamos compreender o crescimento e o avanço do neoliberalismo como fenômeno global. O primeiro refere-se ao fato de Margareth Thatcher ter se tornado a primeira ministra da Inglaterra em 1979. O segundo refere-se ao fato de que Ronald Reagan, em 1980, ter se tornado Presidente dos Estados Unidos contrariando todas as expectativas das críticas. Neste sentido, pode-se afirmar que a Europa e a América do Norte com o capitalismo avançado viram no neoliberalismo e em sua ideologia o possível triunfo do mercado.

O neoliberalismo inglês determinou regras mercadológicas que foram importantes para que fosse efetivada sem riscos de se perder em si mesma. Isto significou algumas posturas como o crescimento da emissão monetária, altas taxas de juros, impostos sobre rendimentos altos, abolição dos fluxos financeiros, implementação de uma legislação anti-sindical, o corte de gastos sociais e as privatizações. Em contrapartida, o neoliberalismo norte-americano se preocupou com o comunismo na hoje ex-União Soviética.

Aqueles governos que pretendiam não seguir os caminhos dos Estados Unidos e da Inglaterra tiveram que se reorientar devido às pressões do mercado internacional que se tornou o grande regulador das políticas públicas pensadas e definidas pelos Estados Nacionais. Esta reorientação está voltada a uma política ortodoxa o que representa a busca incansável de um determinismo político de cunho classista que defende unicamente os interesses das classes dominantes já que a mesma se encontra em vários setores da sociedade.

A América Latina, com seu autoritarismo político e a concentração do poder nas mãos do executivo, teve a primeira experiência neoliberal no Chile com a ditadura do General Pinochet na década de 70. Depois veio a Bolívia em 1985 e nos anos 90, as políticas neoliberais foram adotadas por Menem na Argentina, Pérez na Venezuela e Fujimori no Peru. No Brasil, deu-se início nos governos de Collor de Mello e de Itamar Franco, mas se efetivou concretamente com o governo de Fernando Henrique Cardoso. Todos os governos de centro-direita. Será que com a nova composição política de centro-esquerda na América Latina, Chile com Bachelet, Argentina com Kirchner, Brasil com Lula, Venezuela com Chavez, Bolívia com Morales, Uruguai com Vasquez e Peru com Toledo serão um sinal de um possível pós-neoliberalismo?

No Brasil, o neoliberalismo possui sua essência na velha e clássica concepção de liberalismo existente que se difere do liberalismo europeu. O liberalismo brasileiro assim como nos países da América Latina traz em sim simbolismos de um autoritarismo ditatorial. Francisco de Oliveira trabalha com a idéia de divisor de águas entre o velho liberalismo ditatorial e o surgimento do neoliberalismo que se dá com a efetivação do Plano Real no Governo Itamar Franco em 1994 que tinha como Ministro da Fazenda o então senador Fernando Henrique Cardoso que viria a ser por oito longos anos Presidente da República. Na verdade, a efetivação do Plano Real alavancou a candidatura de FHC que venceu o candidato da oposição Luis Inácio Lula da Silva em 1994 e em 1998. O Plano Real fez com que a economia se recuperasse em contrapartida fez com que o social piorasse. Para Francisco Oliveira o Brasil implementou o programa neoliberal desde 1993 e pretendeu realizar a “destruição da esperança e a destruição das organizações sindicais, populares e de movimentos sociais que tiveram a capacidade de dar uma resposta à ideologia neoliberal”.

Assim aconteceu nestes últimos anos com a depreciação moral por parte de veículos do Governo e da Mídia com as organizações da sociedade civil como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Para a elite era preciso fortalecer a organização da Força Sindical ligada ideologicamente às classes dominantes e a organização dos grandes proprietários de terra ligadas à Banca Ruralista no Congresso Nacional e à União Democrática Ruralista (UDR). Um fato curioso é que o neoliberalismo encontra sua legitimação via regime democrático, em Estados constituídos democraticamente. Por quê? Por que se usa de categorias como democracia e cidadania para se construir um mundo onde se cresce a desigualdade social e se amplia os bolsões de pobreza?

Podemos então dizer: o mundo se curvou ao neoliberalismo? É possível dizer que sim. Então como podemos pensar uma sociedade pós-neoliberal? A única soberania nacional que ainda resiste é Cuba que corre por todos os lados para sair do embargo econômico ditado pelos Estados Unidos há mais de uma década. Os países do leste europeu sucumbiram diante de fracassadas guerras civis e incorpora-se ao rol dos países pós-socialistas, hoje intitulados de sociais democratas com o pensamento único. A China, com um regime marxista ortodoxo abriu suas fronteiras para o mercado internacional, pois compreendeu que era necessário participar da fatia do bolo senão poderiam estar isolados diante da nova onda modista que assume o pensamento universal. Enfim, praticamente todos os países como Estados Nacionais se curvaram sim diante do neoliberalismo o que não implica afirmar que não houve e não há resistências por parte das minorias, das ONGs, dos movimentos populares e sociais em relação ao paradigma adotado.

As experiências dos países que adotaram o neoliberalismo perceberam que ele poderia ser a nova hegemonia ideológica do mundo e das consciências (mesmo que estes não viessem a ter noção do que seja neoliberalismo) pelo viés da economia monetária. Até mesmo os maiores inimigos da concepção neoliberal, os sociais democratas, romperam as fronteiras e assimilaram o discurso assumindo tal política em seus governos. Neste sentido, outros fatores podem ser questionados nesta nova dimensão, os conceitos de esquerda e direita. Aqueles que antes eram considerados de esquerda assumem o poder, com mandatos populares, com a missão de efetivar o sonho de construir uma sociedade mais justa e solidária e deixam o discurso esquerdista de lado, pois são ou obrigados a assumir as regulações impostas pelas agências internacionais ou a assumem como proposta de governo tais práticas. A própria direita se vê perdida. Não sabe também qual é o seu papel. Não possuem a experiência de oposição e sentem saudades do poder que agora está em mão de opositores políticos e não mais opositores ideológicos.

Deter a inflação é a base do discurso neoliberal que com a deflação possibilita-se uma maior geração dos lucros para os que possuem o monopólio especulativo do mercado. Juntamente com a detenção da inflação outras práticas são estimuladas como a derrota do movimento sindical, a contenção de salários e o aumento das taxas de desemprego para que se possa efetivas políticas públicas paliativas que cria o que denomino de cultura da acomodação social por parte dos pobres e miseráveis que são atendidos por programas que não possuem nenhuma transformação na qualidade de vida, na busca pela dignidade e na ampliação da cidadania destas milhões de pessoas. Por cultura da acomodação social entendem-se determinadas ações governamentais que estão a serviço do mercado a fim de efetivar políticas públicas de cunho assistencialista, paternalistas e paliativas gerando, portanto, reações nos atores que recebem tais medidas implantadas pelo Estado Mínimo. Tais reações podem ser identificadas como atitudes e valores que vão sendo construídas de forma a negar a participação sócio-política, a cidadania e dimensão da luta por justiça social o que se caracteriza por meio de certa apatia coletiva o que não deixa de ser a criação de uma nova cultura à qual denomino de acomodação social. As pessoas que se encontram em situação de miserabilidade não possuem anseios e sonhos de transformação social. Se na sociedade do séc. XIX até os anos 80, os pobres possuíram uma força histórica, hoje, estão condicionados a permanecer inertes nesta nova conjuntura neoliberal.

A única intenção é a de silenciar, calar e amordaçar a voz destes neo-oprimidos do séc. XXI que se acomodam com programa x e projetos y. Para o neoliberalismo as taxas de desemprego existente na sociedade de um determinado Estado se tornaram um “mecanismo natural e necessário de qualquer economia de mercado eficiente” afirmam Pablo Gentili e Emir Sader.

A obtenção do êxito neoliberal se evidencia por meio da deflação, dos lucros, dos empregos para poucos e da contenção com gastos públicos, principalmente, salários. O êxito possui uma finalidade que é a de reanimar o capitalismo avançado mundialmente. As finalidades do programa neoliberais não foram alcançadas, pois não houve alteração na taxa de crescimento econômico. Os países que adotaram a cartilha lutam a cada ano para crescer economicamente seus países o que não vem acontecendo, pois grandes partes das rendas per capita são desviadas para o pagamento das absurdas parcelas de juros das dívidas externas. O fato de não haver crescimento econômico se deve ao próprio programa que é mais propício à especulação do que à produção. Assim, pode-se concluir que, muito se especulou e pouco se produziu. Outro fator importante deve-se ao Estado de Bem-Estar Social que, mesmo sendo atacado pelas políticas neoliberais, não teve sua importância reduzida no cenário conjuntural. O Estado de Bem-Estar Social aumenta os gastos sociais devido à taxa de desemprego e aumenta a cada dia a taxa de previdenciários. Isto ficou bem evidente no Brasil que buscou realizar uma Reforma Previdenciária ainda incerta em 2003 o que não impede que haja um continuísmo das velhas práticas bem conhecidas pela história da humanidade.

Mesmo com tais paradoxos da ideologia neoliberal, as políticas implantadas continuam fortes e sendo adotadas, em alguns casos recriados e em outros reinventados pelos governos que já não sabemos se de direita ou esquerda, seja na Europa ou na própria América. Com a queda do ideal socialista na ex-União Soviética o neoliberalismo se fortalece ainda mais se tornando visão unilateral de alguns a única via, o único caminho dinâmico.

O neoliberalismo é uma doutrina hegemônica que alcançou êxito política e ideologicamente falando. Fracassou economicamente, alcançando êxito socialmente ao realizar os programas de incentivos à desigualdade. No Brasil, tais programas podem ser percebidos pelos Programas: Bolsa-Escola, Salário-Escola, Renda Cidadã, Moradia Popular, PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), Comunidade Solidária, Universidade Solidária e tantos outros. Hoje, o Governo Federal cumprindo as agendas internacionais vem unificando os programas federais um único Programa Universal a todos os estados da Federação.

O que seria o pós-neoliberalismo? Não podemos vislumbrar o que seria, pois o fato da conjuntura política na América Latina ou na Ásia estarem voltadas para um pseudo-socialismo democrático não nos permite afirmar a superação da ideologia neoliberal. Ela se encontra em pleno êxito, pois os bancos crescem, as especulações se tornam cada dia mais promissor para o mercado e os governos sofrem com as imposições unilaterais das agências. Talvez então o pós-neoliberalismo seja uma expressão de efetivação, pois com certeza, já superamos a fase de implantação do neoliberalismo e o que vivemos é sua efetivação. Resta-nos saber quando iremos superar a cultura da acomodação que cresce a cada dia devido aos programas (que não são políticas públicas) neoliberais adotados pelos nossos governos “pseudos-democráticos e populistas”.

Claudemiro Godoy do Nascimento

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