25 de fev. de 2007

O banquete das letras em um mundo de inclusão


É um assunto que está em todos os fóruns e encontros de educadores: a prioridade da alfabetização de todos para que possa existir verdadeira inclusão social. Em 2003, a ONU, sob a coordenação da UNESCO, iniciou a Década da Alfabetização. Cada ano consagra o 08 de setembro como dia internacional da educação. O objetivo é que os países e grupos comprometidos com a educação retomem esta opção e dêem novos passos para tornar a alfabetização uma realidade acessível a toda humanidade. A UNESCO calcula que ainda existam no mundo 860 milhões de adultos e mais de cem milhões de crianças sem acesso à educação básica e à escola.

No Brasil, o governo Lula declarou que a alfabetização é uma prioridade. O Ministério da Educação concluiu o ano passado otimista com sua atuação. Em dez anos (de 1992 a 2002), a taxa de analfabetismo no país que era de 16,4% entre as pessoas com mais de dez anos de idade, passou para 10,9%. De 1992 para 2002, a quantidade de crianças entre 5 e 17 anos de idade que não freqüentam escola caiu de 25% para 9,7%. Já na faixa etária de 7 a 14 anos, o percentual de crianças fora da escola desceu de 13,4% para 3,1%. Na faixa de 10 a 14 anos de idade, passou de 12,4% para 3,8%. Quanto ao gênero, na faixa de 10 a 14 anos de idade, a taxa de analfabetismo entre os homens foi de 5,1% enquanto a das mulheres foi apenas 2,5%, portanto menos da metade. A população com idade a partir de 10 anos até os jovens com ensino médio completo passou de 14,1% para 23,4%.

Estes dados são animadores mas devem ser lidos não só no seu aspecto quantitativo, mas no seu teor qualitativo. Antigamente se considerava analfabeto quem não sabia assinar o nome ou não conseguia ler uma carta que recebesse. Paulo Freire insistia que analfabeto não é quem não sabe escrever e sim quem não consegue expressar-se, ou seja, ser ativo no diálogo da sociedade. A própria noção de analfabetismo passa pela concepção de exclusão social.

Na tradição da Igreja, dizia-se sempre que Santo Antão, patriarca dos monges, eremita do século IV no Egito, era analfabeto. Os estudos atuais revelam que ele falava bem copta (egípcio), mas não se expressava em grego e na época as línguas do Império eram grego e latim. Antão era culto na sua tradição copta, mas analfabeto na linguagem do Império. Hoje existem analfabetos funcionais (sabem ler e escrever, mas na prática não conseguem usar este recurso), analfabetos virtuais (não sabem usar um computador ou a internet) e assim por diante.

Um elemento fundamental no trabalho de alfabetização, tanto de crianças como de adultos é a diversidade de culturas. É bom saber que, no sul, existe uma Universidade de Estudos Negros e que, em todo o país, já se somam em dezenas as escolas para as crianças, nas quais a educação é bilíngüe ou é dada em língua indígena. Para adultos, a diversidade não só de línguas, mas de culturas continua sendo desafio maior e mais complexo.

Em fins de julho, Porto Alegre sediou o 3o Fórum Mundial de Educação que contou com mais de 22 mil pessoas de 47 países. (Ver no site http://www.campanhaeducacao.org/). Não deixa de ser elucidativo ver os temas escolhidos para as conferências maiores que nortearam todo o Fórum: A Educação para Além do Capital, Conhecimento, Poder e Emancipação e Solidariedade e Democracia e Paz: outro mundo possível. Estas reflexões geraram uma Plataforma Mundial de Lutas pela Democratização da Educação que se traduz em uma lista de 16 pontos, elaborados a partir das discussões e diálogos entre os/educadores/as e que são propostos aos governos e a toda a sociedade internacional.

A meta é defender, intransigentemente, a educação pública em todos os âmbitos e a obrigação intransferível do Estado de garanti-la, apresentar aos governos nacionais uma agenda que priorize programas para a eliminação do analfabetismo, pela inclusão educacional da população de baixa renda e contra a exploração do trabalho infantil, além de exigir dos governos a valorização dos trabalhadores(as) da educação, o respeito aos seus direitos profissionais e a garantia de condições dignas de trabalho. São elementos sem os quais não adianta falar em prioridade para a educação porque seria como quem atravessar o mar e não se preocupa em ter o meio de transporte.

Alfabetizar não pode ser apenas a operação mecânica de decifrar palavras e escrever um código de sons reconhecidos pelos outros como letras e sim de ter acesso à comunicação mais profunda que liga às pessoas, comunidades e povos para termos uma família humana que viva a dignidade da justiça e da paz.


* Irmão Marcelo Barros, Monge beneditino.

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