14 de mai. de 2007

Dom Paulo Evaristo, Cardeal Arns entrega carta dos povos indígenas ao Papa Bento XVI

O cardeal Dom Paulo Evaristo Arns entregou, durante sua audiência com o Papa Bento XVI, no Mosteiro de São Bento, em São Paulo, uma carta da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). A audiência foi realizada na tarde da quinta-feira.
A carta fala da resistência dos povos a perseguições, invasões de territórios, assassinatos, epidemias e esterilização de mulheres indígenas, "num verdadeiro processo de genocídio". Mas diz que, pela sua força e resistência, os povos indígenas voltaram a crescer. "Sempre mantivemos a luta pacífica e persistente por nossos direitos históricos e sempre contamos, nesta luta, com o apoio solidário da Igreja, de inúmeros missionários e missionárias em todo o país”.
O documento cobra "pressa” na demarcação de terras - ainda falta a regularização de 61,76% delas. E questiona "a ênfase exagerada que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem dando à realização do PAC - Programa de Aceleração do Crescimento. Não somos contra o crescimento econômico do país, só não aceitamos que este seja feito com o atropelo de nossas comunidades; de nossos territórios; de nossos rios e de nossas matas;da integridade física e cultural de nossos povos"
Fazem parte da Apib organizações como a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), que reúne mais de uma centena de organizações de povos amazônicos, a Apoinme (Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo), a Arpin-Sul (Articulação dos Povos Indígenas do Sul), que congrega populações indígenas da região Sul do Brasil.
Contatos:
Edilson Melgueiro - Coiab - (61) 8167 6331
Priscila Carvalho - Cimi (assessoria de imprensa)- (61) 9979 6912

Veja a íntegra da carta:

A Sua Santidade
Papa Bento XVI
Vossa Santidade,
Nós, representantes dos Povos Indígenas no Brasil, desejamos expressar nossas boas-vindas a Vossa Santidade, em vossa visita às terras brasileiras, tradicionalmente ocupadas por nós, seus antigos habitantes. Queremos também transmitir-vos um pouco de nossa realidade, dos sofrimentos e esperanças de nossas comunidades.
Como deve ser de vosso conhecimento, os Povos Indígenas no Brasil quase chegaram ao extermínio completo ao longo do século XX, tantas foram as perseguições; invasões de territórios; assassinatos; epidemias; esterilização de mulheres indígenas e métodos contraceptivos aplicados pelos governos; abandono e desestruturação de nossas comunidades, num verdadeiro processo de genocídio. No entanto, sempre mantivemos a luta pacífica e persistente por nossos direitos históricos e sempre contamos, nesta luta, com o apoio solidário da Igreja, de inúmeros missionários e missionárias em todo o país.
Conquistamos o reconhecimento de nossos direitos pela Constituição Federal de 1988, passamos então a ter perspectivas de viver conforme nossas culturas e modos de ser e viver em sociedade, voltamos a crescer e somos hoje 241 povos indígenas, falando 180 línguas, cerca de 734 mil pessoas, nas aldeias do interior e nas cidades do Brasil.
Apesar de todas essas conquistas, nossas comunidades ainda sofrem muito com a falta de terra para viver; com as múltiplas formas de violência que se abatem sobre elas por parte dos invasores; com os tristes e freqüentes casos de suicídio de adultos, de jovens e até de crianças; com a mortalidade infantil por doenças e desnutrição; com a dificuldade em serem escutadas e terem seus direitos respeitados pelo Estado Nacional e pela sociedade envolvente.
O assassinato de nossas lideranças continua sendo uma prática dos invasores de nossas terras. Somente nos últimos dez anos, 257 lideranças indígenas foram assassinadas por defender seus territórios. Dentre elas, inclui-se o cacique Xicão Xukuru, que no ano de 1991 foi recebido pelo papa João Paulo II, em sua segunda viagem ao Brasil. Na ocasião Xicão já informava a sua Santidade que era um dos indígenas marcados para morrer. Destino semelhante já havia tido o nosso grande líder Marçal de Souza Tupã-Y, cacique do povo Guarani, que também conversou com papa João Paulo II, ainda em sua primeira viagem ao nosso país, no ano de 1980.
Nos dias que correm, nos preocupa principalmente a ênfase exagerada que o governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva vem dando à realização do PAC - Programa de Aceleração do Crescimento. Não somos contra o crescimento econômico do país, só não aceitamos que este seja feito com o atropelo de nossas comunidades; de nossos territórios; de nossos rios e de nossas matas; da integridade física e cultural de nossos povos. E é essa mesma integridade que está em risco em diversos projetos econômicos que integram o PAC, como a transposição do Rio São Francisco, no nordeste brasileiro, a construção das usinas hidrelétricas do Estreito, no Rio Tocantins, de Belo Monte, no estado do Pará, e do Rio Madeira, no estado de Rondônia.
Por outro lado, o presidente do Brasil não demonstra pressa alguma em demarcar nossas terras. A Constituição do Brasil, promulgada em 1988, estabeleceu um prazo de cinco anos para que todas as terras indígenas fossem demarcadas. Já se passaram quase 20 anos e apenas 38,24% do total foram demarcadas faltando ainda faltam 61,76%. Essa morosidade intensifica e perpetua os conflitos fundiários e aumenta o índice de violência contra nossas comunidades.
A atitude de nossos Povos frente a essa difícil realidade é a de sempre dialogar, defendendo os nossos direitos, tão duramente conquistados; fundamentalmente nosso direito à Vida. Continuaremos, em todo o país e de todas as maneiras, a buscar a convivência pacífica e solidária com as demais comunidades que formam o povo brasileiro, numa perspectiva de reconhecimento e respeito à nossa rica diversidade étnico-cultural.
Desejamos transmitir a Vossa Santidade, nestas breves palavras, um pouco de nossas angústias e esperanças, contando com Vossa amizade e solidariedade na construção de um Continente e de um mundo justo e harmonioso, conforme buscaram por séculos nossos ancestrais.
Brasília (SP), 10 de maio de 2007.

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