18 de jun. de 2007

Reforma agrária, justiça social e soberania popular

Claudemiro Godoy do Nascimento *

Adital - O que podemos esperar do 5º Congresso Nacional do MST? Talvez seja esta a pergunta que muitos e muitas estarão se fazendo durantes estes dias no qual acontece em Brasília o Congresso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O encontro que foi aberto oficialmente no dia 11 de junho irá possivelmente romper com a política agrária do governo Lula que descambou para o ridículo. A principal tarefa do MST é continuar fazendo com que a sociedade brasileira não perca o sonho e a utopia de que é possível outro mundo, outra sociedade, outra soberania, outra política e, principalmente outra reforma agrária. Somente o MST pode clamar por tais demandas já que simboliza o que há de mais genuíno nos movimentos sociais do Brasil. Uma cidade de lona será construída em Brasília durante o Congresso Nacional que receberá cerca de 18 mil delegados dos Projetos de Assentamentos e de Acampamentos espalhados pelo Brasil.
As místicas realizadas nos encontros do MST representam quase sempre a memória da luta dos trabalhadores contra os latifundiários e a resistência contra as violências implementadas pelo Estado e pelos grupos oligárquicos do meio rural que hoje são representados pelo laço matrimonial entre o Agronegócio e o Latifúndio, que não se realiza ainda devido as ações coletivas realizadas pelos trabalhadores rurais que resistem em suas lutas sociais. Na mística, realizada sempre no início das manhãs ou no retorno do almoço, ou ainda, nas vésperas que antecedem o findar do sol que nos ilumina, é quando o povo trabalhador se une ao clamor do Deus da Vida. Lembrar os mártires, os companheiros da caminhada, mulheres, homens, jovens e crianças, significa lembrar que Deus caminha com seu povo na busca da justiça. Lembrar as organizações que apóiam a luta significa pensar que Deus suscita companheiros e companheiras dos lugares donde menos esperamos, mas que estão ali, unidos e fortes na marcha em defesa da dignidade humana, entre elas, a Comissão Pastoral da Terra que foi uma espécie de irmã mais velha do MST.
Além disso, o Congresso do MST refletirá e abordará durante estes dias a conjuntura política brasileira e internacional e os avanços e refluxos do MST durante estes 23 anos de história. A saudação aos participantes do encontro foi feito por representantes de organizações que apóiam incondicionalmente as ações e lutas do MST e pelo movimento Marina Santos abriu oficialmente o 5º Congresso Nacional. O curioso foi a falta de um representante do governo Lula na abertura do Congresso o que representa um indício de que as relações estão estremecidas.
Houve uma reflexão sobre a conjuntura internacional e o grupo de mística apresentou a luta dos trabalhadores dos cinco continentes com uma águia norte-americana voando sobre suas cabeças o que representa que os povos do Sul ainda não conseguiram sair da dependência estadunidense. O principal nome dessa análise conjuntural foi François Houtart, professor da Universidade Católica de Louvain na Bélgica, que assumiu a defesa dos movimentos sociais em todo o mundo. Para ele, vivemos numa crise do neoliberalismo e o declínio do imperialismo norte-americano, mas ainda hegemônico e talvez os movimentos sociais precisem ficar atentos. Uma coisa é queda do império, outra é a queda do capitalismo. O capitalismo procura novas fronteiras, entre elas, a transformação da agricultura camponesa em espaços de mais-valia no campo com o chamado Agronegócio e Hidronegócio. E reafirma veemente o Professor François Houtart: "os movimentos sociais devem se fortalecer, lutar contra as guerras e contra a lógica do capitalismo. O modelo capitalista de desenvolvimento destrói a natureza e condena à morte milhares de pessoas. O capitalismo não tem uma espiritualidade que pense e objetive justiça social. A Teologia da Libertação tem que reviver em nossos movimentos" (Fonte: CPT).
No século XX, o grande inimigo foi o capitalismo, isso serviu para que os movimentos sociais e populares passassem da resistência à ofensiva. Resta agora construir novas redes de solidariedade entre os movimentos para que se fortaleçam num objetivo comum e encerra dizendo: "Os movimentos populares tem que ter a consciência que se trata de uma luta de classes mundial contra o capitalismo. São lutas comuns que precisam reforçar o protagonismo dos movimentos" (Fonte: CPT).
Além da luta pela terra, o MST é convocado a construir justiça social e soberania popular. Significa que os paradigmas almejados pelo movimento social se diferem da lógica do governo Lula que anuncia como seu carro chefe, aquilo que conduzirá seu segundo mandato, o PAC. A busca incondicionada por crescimento econômico se difere da busca incondicionada por justiça social realizada pelo MST e outros movimentos sociais que se unem ao mesmo clamor. O PAC representa a adesão ao capitalismo e suas conseqüências que poderão contribuir ainda mais para aumentar a desigualdade social, por outro lado, poderá também contribuir para o desastre ambiental que se inicia em nosso planeta.
O PAC de Lula representa apoio ao Agronegócio e a Transnacionais que continuarão sua investida contra os trabalhadores rurais a todo e qualquer custo, pois se busca somente a mais-valia, o lucro em nome da espoliação de milhões de famílias. Além disso, o PAC representa o Hidronegócio que neste dia inicia, de forma autoritária, a tão falada Transposição do Rio São Francisco. O mercado falou mais alto do que as vozes dos trabalhadores rurais ribeirinhos. Como explicar tais atitudes de um governo que nasceu a partir da luta dos trabalhadores no Brasil?
Não é a proposta dessa reflexão, mas, superficialmente penso que a questão se encontra no modelo de trabalhador que temos no Brasil. Há dois modelos: o trabalhador operário, sindicalizado, urbano e que não teme realizar acordos (pois já realizam acordos com seus patrões) e, agora, a realizam na política também; e, existe o trabalhador camponês representado pelo MST e também por outros movimentos sociais do campo que não possuem a mesma lógica do operariado, não possuem sindicatos, mas coletivos e assembléias populares, são camponeses mesmo tendo uma concepção do urbano e o principal, não realizam acordos com os latifundiários e fazendeiros, portanto, também na política não realizam acordos que poderá distorcer o sentido da luta.
O que quero dizer, resumidamente, pois se necessita de uma análise histórica mais completa, é que o mundo de Lula não é, definitivamente, o mundo do MST. A lógica que permeia o mundo de Lula é a lógica de uma concepção operária de luta sindical que demanda por reivindicações que possibilita acordos com os patrões. Já a lógica do MST e dos trabalhadores rurais é a lógica de uma concepção camponesa de luta social que demanda por reinvidicações que não possibilita jamais qualquer acordão com os latifundiários e fazendeiros. Daí a incompatibilidade de Lula compreender a importância da agricultura familiar camponesa em substituição a uma lógica compensatória de agricultura familiar politicista.
Para o MST, soberania popular significa uma soberania a partir dos desejos e anseios do povo e não de governos e, muito menos, do mercado. Uma das bandeiras do MST para que consigamos soberania popular está na educação. Aqui também as lógicas são contrárias entre o PDE de Lula e o desejo de uma educação popular que surja a partir dos interesses e anseios de cada comunidade. Universalizar o ensino significou para o MST uma amordaça colocada na boca das comunidades espalhadas pelo Brasil e que hoje não possuem autonomia alguma para construírem o seu projeto político pedagógico, com sua matriz curricular, com seu jeito próprio de pensar e de fazer a educação e as ações pedagógicas. O PDE não passa de mais um plano que se destina a aumentar o fosso entre educação crítica e educação mecanizada para o mundo do trabalho.
Dessa forma, podemos perceber que o MST não pode deixar de calar-se na sociedade brasileira. É o único movimento social que pode, de fato, estremecer as armaduras do capitalismo implantado nas lógicas de um governo que se diz defensor dos trabalhadores, mas que faz acordos políticos com latifundiários, fazendeiros, banqueiros e com empresários que são contrários às demandas sociais já que pensam tão somente em suas posses e propriedades privadas.
É exatamente por isso que o MST pode contribuir para que não percamos os sonhos, as esperanças, as utopias de que é possível realizar uma transformação histórica na sociedade brasileira acostumada a ver escândalos políticos de corrupção e considerar uma ação normal. O MST simboliza exatamente esse sonho que não pode acabar. Muitos dirão: Eles querem a Revolução Proletária. Diria que não, pois os papéis hegemônicos se inverteriam caso se quisesse realizar Revolução Proletária. O que se quer é justiça social para todos e até mesmo para os fazendeiros e latifundiários que devem aprender com o MST a partilhar o pão.

* Filósofo e Teólogo. Mestre em Educação pela Unicamp. Doutorando em Educação pela UnB. Pesquisador do Centro Transdisciplinar de Educação do Campo e Desenvolvimento Rural - CETEC/UnB

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